A família Kapoor #2: Raj Kapoor


Este é o segundo post da série sobre a história da família Kapoor e seus mais de 90 anos de cinema indiano. Para acompanhar o primeiro item da série e conhecer a história do patriarca Prithviraj Kapoor, leia aqui.

Nascido em 14 de dezembro de 1924 em Peshawar, Raj Kapoor teve que amadurecer precocemente e tornar-se a presença forte da casa para sua mãe durante os anos em que seu pai esteve ausente, indo de uma cidade à outra devido ao trabalho. Outro fator essencial para seu amadurecimento foi a morte dos dois irmãos menores no curto período de quinze dias. Sua mãe era apenas dezesseis anos mais velha que o filho. A pequena diferença de idade, a ausência do marido e o fato de ele ser o filho mais velho levou mãe e filho a serem muito próximos. Raj Kapoor foi um garoto gordinho que sofreu muito bullying de outras crianças devido ao seu peso. Para não ser tão inferiorizado, assumiu o lugar de palhaço da turma, pois era menos doloroso rir junto com os colegas ao fazer piada de si próprio do que ver os outros rindo de si. Tudo o que Raj desejava era ser amado pelos outros e ser popular. Esta forma de estar no mundo, sendo o palhaço que faz o outro rir enquanto guarda suas dores, foi profundamente explorada no semibiográfico Mera Naam Joker (1970).

Raj cresceu sob a sombra da popularidade de seu belo, forte e talentoso pai. Isto o levou a adotar um estilo diferente de atuação e escolha de papéis, voltando-se para romances, comédias e musicais. Enquanto Prithviraj especializava-se em fazer homens imponentes, Raj tornava-se o homem comum em cena. Se por um lado o estilo de atuação do pai era imponente e declamado, o do filho era suave e natural. Os embates entre pai e filho apareceram em filmes posteriores de Raj, como o clássico Awaara (1951), em que ele e Prithviraj foram pai e filho em cena. Temas de discussões frequentes entre ambos repetidamente surgiram nos filmes de Raj, como as brigas para que fizesse faculdade. A má relação dos Kapoor com os estudos notória em diversas gerações da família, sendo frequentes o abandono precoce das salas de aula, a incompletude dos estudos e históricos de reprovações e notas baixas.

Raj e Krishna Kapoor


Raj aproveitava seu perfil observador para guardar na memória centenas de referências de imagens, rostos e lembranças que posteriormente apareceriam em seus filmes. Quadrinhos também eram clássica fonte de inspiração para suas histórias. Apesar de ter feito alguns papéis como ator mirim, a falta de apoio paterno fez com que sua estreia ocorresse apenas em 1957, em Neel Kamal. Seu desejo era criar as próprias obras, ato que realizou ao deixar a equipe teatral do pai para fundar a R.K. Films e lançar Aag (1948), seu primeiro filme. O jovem diretor de 23 anos levou os conhecimentos acumulados de anos em diversas funções no teatro para seu estilo de trabalho, que também incluiu os ideais socialistas de justiça social e igualdade das peças da Prithvi Theatres. As influências internacionais foram de cineastas como Frank Capra e Orson Welles, além dos quadrinhos como Archie Comics e Luluzinha. Em Aag teve início sua parceria com Nargis, com seu romance dentro e fora das telas sendo um dos mais marcantes da história do cinema indiano. Sua mais importante musa e par em dezesseis produções, em diversos filmes a representação de Nargis foi envolta por uma sensualidade que era comum nas representações de heroínas de Raj Kapoor e incomum no cinema indiano. Após o afastamento entre ambos, resultante da decisão dela de atuar em Mother India e seu posterior casamento com Sunil Dutt, a já complexa relação abusiva de Raj com a bebida piorou. Raj tornava-se agressivo e grosseiro quando bêbado. O alcoolismo é um mal que aflige os Kapoor há muitas gerações, sendo presente também nas vidas dos seus irmãos e herdado por seus três filhos.


Nargis e Raj Kapoor em Awaara

A sexualização das heroínas em cena tornou-se ainda mais intensa e menos velada após o rompimento com Nargis, como visto no sári transparente colocado em Zeenat Aman em Satyam Shivam Sundaram (1978). E o histórico de traições de Raj a sua esposa Krishna não parou em Nargis, sendo notórias as supostas ligações com atrizes como Padmini, Zeenat Aman e Vijyanthimala. Esta última, por sua vez, negou qualquer romance e declarou que os rumores haviam sido plantados para a promoção de Sangam (1964). Entretanto, Rishi Kapoor afirmou que teve que se mudar para um hotel com sua mãe e irmãos durante a relação de Raj e Vyjayanthimala, forma escolhida por sua mãe para forçar o término do romance. Raj e Krishna retomaram seu casamento.


Raj obteve enorme sucesso como ator e diretor, sendo notáveis os filmes Awaara (1951) e Shree 420 (1955), nos quais apresentou e eternizou sua imagem como Raju, o doce vagabundo inspirado no Carlitos de Chaplin. Seus filmes tiveram grande sucesso internacional, tornando-o famoso até hoje em países da extinta União Soviética, Egito e Israel. O filme pelo qual mais tinha carinho não teve bom retorno do público e quase o levou à falência: Mera Naam Joker (1970), filme com 3 horas e 44 minutos de duração divididos em três grandes atos. Nele Raj contou sua história como o palhaço que faz os outros rirem mesmo às custas de sua própria dor. A recuperação financeira veio apenas com Bobby (1973), filme que redefiniu a representação da juventude no cinema hindi ao apresentar protagonistas realmente jovens - diferente da tradição de atores mais velhos interpretando jovens - rebelando-se contra a autoridade familiar para defender seu amor. Raj dirigiu seu filho Rishi em Mera Naam Joker e em Bobby introduziu ao público sua persona de lover boy, um herói romântico doce e apaixonado que se repetiu durante décadas na carreira de Rishi. A recuperação financeira advinda do sucesso de Bobby não se refletiu em recuperação emocional. Raj sempre sentiu a dor da rejeição do público a Mera Naam Joker, filme em que mais colocou sua alma.



Os últimos anos de carreira de Raj Kapoor contaram com alguns filmes focados em questões sociais, como o recasamento de viúvas em Prem Rog (1982). Entretanto, a recepção aos seus últimos filmes foi marcada pela constante desaprovação à cenas consideradas vulgares pela crítica, como a da atriz Mandakini tomando banho de cachoeira com um sári branco em Ram Teri Ganga Maili (1985), último filme dirigido por Raj. O maior showman da história do cinema indiano faleceu em 1988, devido a complicações de seu quadro de asma.

No próximo post da série sobre a família Kapoor conheceremos a história de Shammi Kapoor, irmão de Raj e o membro da família responsável pela revolução na imagem dos heróis jovens do cinema indiano.


Fontes para consulta:

Dawar, R. (2006). Bollywood: yesterday, today, tomorrow. Star Publications.

Jain, M. (2009). Kapoors: The First Family of Indian Cinema. Penguin UK.

Kapoor, R. & Iyer, M.(2017). Khullam Khulla: Rishi Kapoor Uncensored. HarperCollins.

The Kapoor Family Website. Disponível em: http://www.junglee.org.in/


4 comments

  1. Anônimo15/7/20

    Fiquei super curiosa para ver Mera Naam Joker. Você já viu?

    Raquel Ribeiro



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    1. Já vi sim, Raquel. É bem melancólico e o ritmo é bastante lento, então dá uma canseira. Mas as músicas são lindas e você realmente consegue conhecer um pouco mais do que se passa dentro da alma do Raj Kapoor.

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  2. Vivy Ribeiro30/8/20

    Pra alguém que teve que lidar com a dor do bullying qnd jovem assumindo um lugar pra ser aceito,e depois meio que reviver isso num filme e sofrer mais uma vez rejeição,deve ter doído muito!

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    1. Com certeza! Ainda mais sendo rejeitado pelo público que ele tanto amava.

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