A família Kapoor #3: Shammi Kapoor

Shammi Kapoor

Este é o terceiro post da série sobre a história da família Kapoor e seus mais de 90 anos de cinema indiano. Conheça as histórias de Prithviraj Kapoor e Raj Kapoor

A figura rebelde e selvagem que Shammi Kapoor viria a eternizar no cinema indiano jamais seria imaginada por quem o conheceu quando criança. Nascido em 21 de outubro de 1931, Shamsherraj Kapoor foi uma criança bastante doente e tímida por conta de problemas nos pulmões. Diferentemente do irmão Raj, Shammi não demonstrou apego pelo cinema desde cedo, preferindo os livros, que consumia vorazmente. Ele tentou romper com a tradição da família Kapoor de não concluir os estudos ao entrar para o Ruia College e estudar ciências para tornar-se engenheiro aeronáutico. O flerte com a vida acadêmica não durou muito tempo e o rapaz abandonou os estudos aos 17 anos, logo unindo-se à companhia teatral do pai, o Prithvi Theatres, em 1948. Prithviraj colocou o filho na peça Kalakar, escrevendo para ele um personagem exuberante, urbano e rebelde, mas de bom coração, baseado em personagens de Shakespeare. O personagem andava de lado, sacudia a cabeça e tinha todo um estilo diferente, o que seria a base do que anos depois viria a ser sua persona clássica em filmes, sempre energético e extravagante. 

O primeiro papel de Shammi como herói em um filme veio em Jeevan Jioty (1953), sendo sucedido por uma série de filmes de pouca repercussão. Shammi não estreou em um bom momento para atrair a atenção do público, que na  época só tinha olhos para os filmes da santíssima trindade formada por Dilip Kumar, Raj Kapoor e Dev Anand. Em 1955 conheceu a atriz Geeta Bali durante as gravações do filme Miss Coca Cola (1955), apaixonando-se imediatamente. Após Geeta rejeitar todos os seus pedidos de casamento, ela finalmente disse sim e os dois se casaram. Shammi sempre foi grato à esposa, que já era famosa quando se casaram. Segundo o ator, ele não era ninguém e mesmo assim ela acreditou nele.

Shammi e Geeta Bali em seu casamento


Aos 17 anos, Shammi deu início às aulas de dança - habilidade que marcaria fortemente sua carreira. Seu novo talento foi bem explorado em Tumsi Nahin Dekha (1957), uma comédia romântica leve que foi responsável por sua escalada ao sucesso. Neste filme finalmente a figura exuberante e divertida de Shammi foi desenvolvida, com seus maneirismos e expressão corporal característicos. Tumsi Nahin Dekha encerrou o ciclo de 18 filmes com fracasso de bilheteria na carreira de Shammi, que construiu com cuidado sua nova imagem de herói moderno e dançante. Com o auxílio de Geeta Dutt, Shammi raspou o bigode e comprou no exterior roupas novas como jeans, jaquetas e cachecóis estilosos. O novo visual se afastava do guarda-roupa clássico do herói indiano vestido de forma tradicional. O pesquisador e pioneiro no ativismo pelos direitos LGBT na Índia Ashok Row Kavi, analisa desta forma a mudança na imagem da imagem do herói indiano trazida por Shammi Kapoor:


"O primeiro passo significativo na erotização completa do herói foi a ascensão do herói flexível Shammi Kapoor, do clã ''RK''. Shammi Kapoor alcançou essa erotização por meio de uma forma muito própria de atuação, teatral e exagerada, que o tornou o centro das atenções. A heroína em todos os seus filmes era uma personagem silenciosa, imóvel e ligeiramente assustada que desviava a atenção de si mesma por meio de uma atuação muito discreta. Enquanto isso, dançando e empinando-se à sua volta em uma mistura de movimentos flexíveis e imprevisíveis estava o herói, que redirecionava a atenção do público para sua performance vibrante e sexualizada (...) Shammi não apenas trouxe frescor para seus papéis, mas também externalizou o personagem do herói. O herói agora não era mais o repositório do sistema de valores tradicional, que havia moldado o Renascimento indiano e a luta pela independência da Índia; em vez disso, ele era um símbolo frágil e fiel do jovem indiano, nascido após a independência. Essa figura do herói do pós-independência enfatiza mais a fisicalidade do homem jovem."

Saira Banu e Shammi em Junglee (1961)
Saira Banu e Shammi em Junglee (1961)

Em 1961 ocorreu a grande mudança em sua carreira. Junglee  foi o primeiro filme em cores de Shammi, além de marcar a estreia de Saira Banu como atriz. O filme trouxe uma trilha sonora marcante, muitos momentos cômicos e o auge da persona energética e dançante que o ator vinha construindo. Sua rebeldia, coreografias e visual com influências de Elvis Presley e John Wayne eram exatamente o que o jovem indiano esperava no pós-independência, após anos de filmes sobre questões sociais profundas. O estrelato veio imediatamente e foi fortalecido por outros filmes de sucesso na década de 60, como Professor (1962), Kashmir Ki Kali (1964) e Teesri Manzil (1966). Em todos estes filmes observamos variações da persona louca e agitada de Shammi que havia cativado o público. O sucesso era tanto que diretores como Shakti Samanta o deixavam criar suas próprias coreografias.

Asha Parekh e Shammi Kapoor em Teesri Manzil (1967)

Geeta Bali faleceu em 1965 após contrair varíola. Shammi começou a beber intensamente após a morte da esposa, o que lhe traria complicações posteriores. Geeta adoeceu no dia 1º de janeiro e faleceu no dia 21. Desde então até o ano de sua própria morte, Shammi deixou de beber por 21 dias todos os anos no mês de janeiro como forma de tributo à esposa. O casal tinha dois filhos, Aditya e Kanchan. Anos depois, Shammi decidiu que seus filhos precisavam de uma mãe e pediu a atriz Mumtaz em casamento. Ela negou o pedido, pois estava focada em sua carreira. Assim, Shammi casou-se com Neila Devi em 1969 - diferentemente do casamento por amor com Geeta, este foi arranjado. Segundo seu filho Aditya, Neila preencheu o vazio materno que ele e a irmã sentiam. A madrasta também se recusou a ter filhos, dizendo que não era necessário pois já tinha Aditya e Kanchan. Este gesto sempre foi visto pela família como uma prova de seu amor e cuidado para com os novos filhos.

Neila Devi e Shammi Kapoor

O ano de 1968 trouxe o prêmio Filmfare de Melhor Ator para o trabalho de Shammi em Brahmachari. Já o ano de 1969 apresentou ao cinema indiano Rajesh Khanna, o ator cujo estrelato ofuscaria todos os outros ao seu redor. A chegada de Rajesh, a posterior dominação do cinema pelo herói de ação de Amitabh Bachchan e o ganho de peso de Shammi devido ao álcool contribuíram para o declínio de sua carreira como herói dos filmes. A partir dos anos 70 pudemos ver Shammi apenas em papéis secundários, tais como pai do herói. Esta nova fase de sua carreira lhe rendeu o Filmfare de Melhor Ator Coadjuvante por Vidhaata (1982). Shammi também se aventurou brevemente na direção com os filmes Manoranjan (1974) - adaptado da peça francesa Irma La Douce - e Bundal Baaz (1976). Ambos foram terríveis fracassos de bilheteria. Shammi também atuou em alguns filmes de outras indústrias, como a tâmil e a bengali, e em séries de TV.


Durante os últimos anos de sua vida, a atividade favorita de Shammi era navegar na internet. Ele se dedicava a atualizar o site que criou para contar a história de sua carreira e preservar a memória da família Kapoor. O ator faleceu em 2011 devido a insuficiência renal, após alguns anos em hemodiálise. Sua última participação em um filme foi em Rockstar (2011). Seu sobrinho-neto Ranbir fez uma homenagem ao tio ao reproduzir no filme um trecho de Taarif Karoon Kya Uski, de Kashmir Ki Kali.

Mesmo com o afastamento da tela nos últimos anos de sua carreira, a revolução trazida por Shammi Kapoor marcou em definitivo o cinema indiano. Seus personagens apresentaram novas possibilidades de expressão para os heróis do cinema hindi, com maior liberdade e, certamente, muito mais diversão e alegria.


Fontes para consulta:

Dawar, R. (2006). Bollywood: yesterday, today, tomorrow. Star Publications.

Jain, A. (2021). Shammi Kapoor: The actor who returned after 18 flops to change the ‘Bollywood hero’ forever. Disponível em: https://indianexpress.com/article/entertainment/bollywood/shammi-kapoor-the-actor-who-came-back-after-18-flops-to-change-the-bollywood-hero-forever/

Jain, M. (2009). Kapoors: The First Family of Indian Cinema. Penguin UK.

Kapoor, R. & Iyer, M.(2017). Khullam Khulla: Rishi Kapoor Uncensored. HarperCollins.

Kavi, A. R. (2000). The changing image of the hero in Hindi films. Journal of homosexuality, 39(3-4), 307-312.

The Kapoor Family Website. Disponível em: http://www.junglee.org.in/

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