Arth (1982)

O último dos filmes de arte sobre o qual falei foi Junoon, e só eu sei o quanto aquela postagem foi trabalhosa. Eu descobria novas coisas enquanto escrevia, mudava de opinião durante o texto, parecia que estava revendo o filme a cada linha. No resultado final não transpareceu o quanto aquele filme me perseguiu, encantou e cansou mentalmente. Esperava ter a mesma reação com Arth, acreditei até que me atingiria mais fortemente. Afinal, seria um filme centrado na Shabana Azmi, atriz para a qual não tenho bons adjetivos o suficiente para descrever. Fiquei impressionada, mas não fui tão arrebatada quanto esperava ser.


Diz-se que o filme, dirigido por Mahesh Bhatt, conta muito da relação extra-conjugal que ele mantinha com a Parveen Babi. Há algum tempo li que ela tinha esquizofrenia e quase tudo o que encontro me faz acreditar que tenha tido uma vida conturbada. No filme, Mahesh seria o personagem Inder Malhotra (Kulbhushan Kharbanda), um diretor de cinema casado com Pooja (Shabana Azmi) e que a deixa após começar a se envolver com a atriz Kavita Sanyal (Smita Patil), que seria a Parveen.

O que me incomodou no começo do filme foi sentir uma certa falta de naturalidade em cena, não sei por quê. A Shabana é sempre ótima, mas eu não estava suportando ver o Kulbhushan e a Smita. Fiquei comparando muito com Junoon e refletindo sobre o quanto eu queria que Arth houvesse sido dirigido pelo Shyam Benegal, para sentir aquela fluidez tão boa dos filmes dele. Entretanto, provavelmente muito da emoção de várias cenas venha do fato de o diretor colocar sua vida no filme. Talvez tivesse que ser ele mesmo.


Vou começar pelo mais fácil: Pooja e a posição da mulher. Logo no começo do filme há uma cena dela com sua empregada na qual Pooja diz que não suportaria a situação da mulher, que era espancada pelo marido e tinha de aguentar a amante dele. Pouco tempo depois a vemos basicamente implorando para que o seu marido volte, se contradizendo. Não consegui sentir raiva. Ela era uma mulher na Índia que só sabia como ser esposa, não se via como pessoa autônoma separada do seu marido. Na verdade, suas cenas se rebaixando aumentaram minha empatia para com Pooja. Consigo me ligar mais a personagens que vez ou outra voltam em sua palavra, porque acredito que a vida seja deste mesmo modo, em que é muito fácil falar até nos depararmos com as circunstâncias que antes eram apenas hipóteses. O que ela faria caso se separasse? Ela não é nenhuma integrante de Sex And The City para sair construindo carreira, seu meio social  não é o mesmo. Repentinamente ela estava ali, olhando ao redor e vendo destruído tudo aquilo que considerava como base na vida. É difícil não saber por onde começar, mas não saber nem o que começar é pior ainda.

Só que eventualmente, ela começa. Primeiro sai da casa que Inder havia colocado em seu nome, logo que descobre ter sido financiada por Kavita. Muda-se para um dormitório feminino, encontra um emprego. Diferentemente de outros filmes nos quais os personagens tem mudanças bruscas, Arth tem uma honestidade na transformação. Tudo acontece a seu tempo, um passo de cada vez. Durante o tempo de filme realmente senti que estava ali com a Pooja, vivendo seu tempo. Ela havia passado muito tempo vivendo em função de outra pessoa e dentro de uma instituição que reprimia qualquer possibilidade de surgimento de uma individualidade. Até descobrir quem era, ia levar um tempo mesmo. Enquanto isto, a perda de si ia acontecendo com Kavita, lá do outro lado da história. Seus problemas mentais se intensificaram pela culpa sentida por ter "roubado" o marido de Pooja e "destruído" uma família. Isto me lembra uma expressão que não suporto, "destruidora de lares". Se o marido não está comprometido com sua família, ele de algum modo vai desmembrá-la, seja arrumando outra mulher ou não. Quem desfaz os laços é ele, não a amante. Só que tentam colocar na nossa cabeça que a culpa é sempre nossa, no fim as mulheres acabam lutando umas contra as outras. A Kavita, sua mãe e a Pooja passaram um bom tempo do filme dizendo que a culpa por tudo o que estava acontecendo era dela, inclusive há uma linda cena da Pooja ao telefone com a Kavita pedindo para devolver seu marido. É como se o poder de fazer ou desfazer tudo aquilo fosse dela, enquanto o Inder seria apenas um pobre homem desviado do seu caminho.


Apesar de traída por Inder, Pooja não desacredita das pessoas e dá abertura para uma amizade com Raj (Raj Kiran), um músico simpático que logo se apaixona por ela. A relação deles é um dos pontos altos do filme. Como muitos filmes indianos, espera-se que aquele homem entre para salvar o dia e proteger a Pooja, mas o que acontece passa longe disto. O roteiro logo nos faz lembrar que aquela ali é uma história de autoconhecimento e que o caminho para ele é difícil, um pouco distante do romantismo todo de outros filmes. Há uma honestidade admirável nisto.

Há umas poucas coisas de que não gostei: os ataques exagerados da Kavita, a confusão que era sua condição médica, e a tristeza que dá pensar que a Parveen pode ter passado por tudo aquilo.

Arth é um dos filmes indianos mais especiais que já vi. Para quem ama ver um retrato honesto sobre a mulher indiana, como eu, é um prato cheio. É todo sobre liberdade, se conhecer e surpreender-se com a força que pode encontrar dentro de si. As questões que ele levantou há 30 anos ainda soam como novidade se colocadas em um filme de hoje. Foi pensando nisto que me encantei com a coragem do Mahesh, da Shabana, da Smita e de todos os envolvidos na história. Houve até um apelo para que o final fosse modificado na época, mas Shabana e Mahesh foram totalmente contra. Eles acreditaram nesta história e lutaram por ela, e fico grata por o terem feito. Não são muitos os filmes que no final me fazem sentir que aprendi ali algo importante que vou levar comigo por toda a vida. Obrigada, Pooja.

Fotos demais das mulheres e nada do homem? Sim.  Afinal, 
quem é que importa nisto aqui? Sorria, Pooja mais linda, que
nesse sorriso  devem ter sorrido muitas mulheres indianas!



Este é um vídeo de uma série que pode ser encontrada no Youtube, na qual os atores contam qual filme mudou sua vida e os motivos. A Shabana fala de Arth. Não tem tradução ou legenda, mas ela fala em inglês e dá para entender. Vale a pena.

1 comments

  1. Carol!!!Esse filme realmente me emocionou, é como disse, dá para escrever um livro só analisando todo o comportamento humano nele!Sabe, também não gostei de muitas cenas no filme, principalmente entre Inder e Kavita, como vc disse, muito artificial e exagerada, mas isso é muito normal nos filmes indianos...mas tudo isso ficou em segundo plano, pois a mensagem do filme é linda!Mostra mulheres, assim como nós somos, sonhadoras, com defeitos, com sentimentos de culpa, com desilusões...é isso aí!!Adorei seu post e sabe, complementaria perfeitamente com o meu e ainda teriamos muita coisa a comentar sobre este filme!!!Beijos

    ResponderExcluir

Deixe um comentário e me conte o que achou!

Comentários ofensivos serão excluídos.