Ram Aur Shyam (1967)

Tenho apreço por histórias de gêmeos. Desde novelas como A Usurpadora, passando por filmes clássicos como Seeta Aur Geeta ou o atual Kaminey, considero a trama da troca de papéis suficiente para boas horas de entretenimento. Ela permite momentos engraçados enquanto um gêmeo faz as tarefas rotineiras do outro e também o meu ponto favorito, que é quando um resolve conflitos da vida do outro.

Ram Aur Shyam seguiu a já conhecida fórmula. Ram e Shyam (Dilip Kumar) são fisicamente idênticos, porém tem personalidades opostas. Ram é medroso e tem todos os seus bens controlados pelo cunhado, Gajendra (Pran), que o submete a agressões físicas. Shyam é destemido, abusado e não hesita em dizer o que lhe vem à mente.Os dois trocam de lugar por engano, quando Ram foge de casa com medo de ser assassinado pelo cunhado e Shyam foge de sua aldeia para tentar ser ator de Bollywood. Tudo perfeitamente armado para um maravilhoso clichê com 3 horas de duração, porém a maravilha não aconteceu. Tentemos entender o porquê.

Tem coisa mais linda que ver o Rei da Tragédia gargalhando?

O cansaço me pegou já pela metade do filme, talvez antes. O evento mais antecipado é o confronto entre Shyam e o malvado cunhado de Ram. Ele só acontece após o intervalo, fazendo o espectador esperar por mais de uma hora. A espera não teria sido problema caso houvesse mais movimentação na primeira metade, o que também não ocorreu. O tempo da primeira parte foi gasto com o romance entre Shyam e Anjana (Waheeda Rehman), além de também terem sido mostradas as armações de Gajendra. Acredito que não seria cansativo se esse tempo tivesse sido empregado para mostrar as confusões relativas à troca de papéis. Não houve aproveitamento da adaptação de Ram, rapaz urbano assustado, ao cotidiano da aldeia em que dele se esperava que fosse um habilidoso agricultor. Foi dedicado mais tempo à história de Shyam, mas ainda assim não foi bem aproveitada. Houve uma mistura de momentos em que consertava as injustiças da casa de Ram ou flertava com Anjana, entretanto foram poucos aqueles nos quais teve problemas por não se portar como se esperaria do covarde Ram.

O exorcismo de Ram
A atuação de Dilip me deixou dividida. Sou fã de sua veia cômica pelo simples motivo de adorar vê-lo sorrindo, então tive uma boa surpresa ao ver um Shyam tão piadista. Sua expressão corporal estava mais livre do que me lembro de ter visto. Como tantas outras coisas, isto também não foi bem trabalhado no filme. Chegou um momento em que as gargalhadas histéricas já não tinham mais sentido nas cenas. Como Ram, Dilip iniciou mostrando um rapaz doce e assustado, que foi sumindo ao longo do filme. Gostaria de ter visto mais do processo de amadurecimento que teve ao relacionar-se com Shanta (Mumtaz), aldeã que não se dava bem com o grosseiro Shyam e encontrou o amor na doçura e calma de Ram.

Pran estava excelente. Não me lembro da última vez em que gostei tanto de um papel seu como neste filme. Gajendra é desprezível e apavorante na medida certa, nos fazendo torcer para que alguém o faça em pedacinhos. Quando Shyam toma o lugar de Ram e ameaça Gajendra, é visível a mudança do olhar dominador para o temeroso. Sua esposa, interpretada por Nirupa Roy, reforçou a visão que tenho de suas personagens: excessivamente abnegadas e passivas, acabando por deixar as cenas muito pesadas. Por último, comento a atuação das duas heroínas – Mumtaz e Waheeda Rehman. A última ganhou um pouco mais de espaço na história por conta da trama de seu noivado com Shyan, enquanto Mumtaz foi totalmente desperdiçada. Apareceu em algumas sequências musicais típicas de filmes que retratam aldeias, uma ou duas cenas no final e nada mais. Para alguém facilmente impressionável pelo carisma das atrizes, considerei uma pena não ver mais de ambas.


A trilha sonora de Naushad não impressiona. O clipe mais interessante é Dheere Dheere Bol, responsável por eu ter passado anos ansiosa por assistir ao filme. Tem pitadas de crítica social que não receberam maior importância no roteiro e é fortemente representativo dos clipes típicos de aldeia - apesar de não ser o caso no filme. Já a única música que me marcou foi Aaj Ki Raat Mere Dil Ki Salami Lele, cantada pelo fantástico Mohammed Rafi. Com ela, descobri meu pendor por clipes com revelações públicas de sentimentos dolorosos.

Como não amar a velha Bolly?

Para alguém que não se cansa das mesmices das tramas de gêmeos, fui surpreendida pelo sentimento de decepção ao fim de Ram Aur Shyam. Por mais agradável que seja ver o Dilip Kumar sorrindo, a Mumtaz vestida de aldeã ou a Waheeda Rehman apenas existindo, nada disto foi suficiente para substituir todas as possibilidades não exploradas. Nem sempre os clássicos nos dão tudo o que esperamos deles.

2 comments

  1. Gosto muito de teus comentários sobre cinema indiano, Carol! Não sei se lembra de mim, pois faz um tempinho que saí do fb. Sou a Marília Toscano, que de vez em quando aparecia e "de vez em sempre" vivia vendo os comentários que você e o pessoal da QCIB postavam sobre os filmes desde os primórdios da comunidade no Orkut. De um tempinho pra cá tenho assistido a vários clássicos e lembrei do teu blog. Sempre que puder, passarei para ver tuas dicas e reviews. Continua escrevendo! Abraço! :)

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    1. Se for a Marília formada em Direito e que tinha um Tumblr sobre Bolly (We Bolly It), claro que lembro! Você aparecia bem de vez em quando, mas tinha uns comentários bem ponderados. Sempre quis que participasse mais das discussões.

      Tenta aparecer pra gente discutir sobre os clássicos! Tá faltando gente com quem discuti-los :)

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