Um homem imponente, de vestes impecavelmente brancas e dirigindo uma imponente Mercedes: Haji Mastan é considerado o primeiro elo da cadeia que até hoje une Bollywood ao crime organizado. Mastan era visto como um ícone pelos meninos pobres de periferia, que sonhavam em ser como o famoso contrabandista. Sua primeira ligação com a indústria do cinema surgiu através do surpreendente caminho do romance. Fã ardoroso de Madhubala, Mastan ficou impressionado com a semelhança da jovem Sona com a falecida atriz. O romance teve início e o contrabandista passou a investir nos filmes de sua amada, que posteriormente se tornaria esposa. A partir de então era comum vê-lo em festas da indústria nos anos 70 acompanhado pelos grandes atores e produtores do seu tempo, como Dilip Kumar, Raj Kapoor e Dharmendra.
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Haji Mastan e Sona |
Apesar de criminoso, Haji Mastan não era um homem temido e diz-se que jamais matou uma pessoa. O contrabandista mantinha relações elegantes e respeitosas com outros grandes líderes criminosos de sua época, como Karim Lala e Varadarajan Mudaliar. Tamanha tranquilidade não caracterizou as futuras relações entre a máfia indiana e Bollywood, graças ao sucessor de Mastan. Dawood Ibrahim foi o homem que mudou drasticamente o nível de violência do submundo com sua poderosa organização criminosa, a D-Company. Seu império criminoso nos anos 80 e 90 foi marcado por assassinatos implacáveis e busca de extrema lealdade por parte de seus capangas. Um erro governamental foi responsável pela escalada do poder da D-Company e do crime organizado em geral: uma regulação governamental impediu que o cinema fosse financiado por meios legítimos. Sem mais poder contar com empréstimos bancários, os produtores de filme passaram a buscar desesperadamente por fontes alternativas de financiamento.
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Dawood Ibrahim ao lado de Anil Kapoor |
Com o aumento do poder sobre a indústria cinematográfica, a máfia indiana expandiu seu controle até mesmo para o conteúdo produzido. Dawood Ibrahim ordenou que muçulmanos não fossem apresentados de forma negativa em nenhum filme, chegando ao ponto de Kamal Hassan ter que alterar cenas de um filme sobre um conflito histórico entre hindus e muçulmanos para obedecer à regra, mesmo às custas de o roteiro ficar historicamente incorreto. Assim como outros de sua geração, Madhuri Dixit e Govinda já foram levados a estúdios para gravar cenas sob a mira de armas. A relação entre as estrelas e o submundo é tão perigosa quanto instável: ao mesmo tempo em que sofrem constantes extorsões, os artistas também são vistos frequentemente nas luxuosas festas dadas por criminosos ao redor do mundo.
Muitas atrizes se beneficiaram de suas conexões criminosas. Talvez o caso de amor mais famoso seja o de Monica Bedi com Abu Salem. Casos de amor não eram incomuns na vida de Salem, porém sua paixão por Monica foi tão intensa que o levou a fazer sérias ameaças a produtores e diretores para que a jovem atriz tivesse uma chance. E ele o conseguiu, levando-a a uma estreia tímida no filme Jaanam Samjha Karo (1999). Após isso, também conseguiu que ela estrelasse o filme Jodi No 1 ao lado de Sanjay Dutt - que estava irritado e queria sair do filme por ser par de uma atriz desconhecida, mas cuja opinião magicamente mudou após receber algumas ligações. Um dos romances que chegou mais longe foi o da atriz Mamta Kulkarni com o traficante internacional Vikram Goswami, chegando ao ponto de a atriz ser detida por tráfico de drogas.
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Abu Salem e Monica Bedi |
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Sanjay Dutt preso em 1993 |
A venda de direitos de distribuição de filmes representou uma das atividades mais disputadas violentamente por criminosos. O blockbuster Lagaan (2001) é até hoje um dos maiores sucessos internacionais de Bollywood, especialmente por sua indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. As cifras milionárias chamaram a atenção da temida D-Company, que encontrou uma inesperada recusa dos produtores do filme a vender seus direitos. Para resolver a questão, a organização enviou uma equipe para matar o ator Aamir Khan, o diretor Ashutosh Gowariker e o produtor e distribuidor Jhamu Sughand. Felizmente a missão fracassou e os assassinos contratados foram presos em Bandra. O diretor e produtor Rakesh Roshan não teve a mesma sorte quando negou os direitos internacionais de Kaho Naa...Pyaar Hai (2001), filme de estreia de seu filho Hrithik, ao extorsionista Ali Budesh. Em 2001, dois membros de sua gangue deram dois tiros no produtor enquanto ele saía de sua casa. O ataque não teve a intenção de matá-lo, mas apenas de mostrar que ele não estava protegido.
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A atriz Mandakini com Dawood Ibrahim |
O governo indiano concedeu o status de indústria à Bollywood no ano de 2001, o que significou a possibilidade de obter financiamentos por meios legítimos. Este movimento foi um dos grandes responsáveis pela queda da influência da máfia que dominou a indústria com pulso firme nos anos 90, além do maior número de investigações policiais e prisões. Não é mais tão comum ver atores trabalhando sob a mira de revólveres ou pessoas sendo baleadas à luz do dia, porém o laço entre Bollywood e o crime não será desfeito tão facilmente após tantos anos de dinheiro fácil por meio de extorsões. Ainda surgem notícias na imprensa sobre ameaças a artistas e outras figuras do meio. Na época do lançamento de Happy New Year (2014), estrelado por Shahrukh Khan, o produtor Karim Morani viu sua casa em Mumbai ser alvo de um tiroteio perpetrado por três homens em motocicletas. Eles teriam sido enviados por um mafioso como resposta à recusa de Morani em vender os direitos internacionais do filme, que ainda nem havia sido lançado. No lugar do tiroteio foi deixado um bilhete com os dizeres "SRK será o próximo".
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Chhota Shakeel |
7 comments
Mas, sinceramente, que ideia absurda essa de não deixar a indústria ser financiada por meios legais. É pedir pelo aumento da criminalidade, e indiano já não é um povo corrupto, né?
ResponderExcluirOlhando essas imagens, realmente é engraçado como quando os mafiosos são retratados em tela fiquem bem semelhantes aos modelos reais, né? Óculos grandes, cara de bicheiro...
Sobre Sanjay, só digo uma coisa: tsc, tsc.
Também achei surreal. Deve ser devido ao alto risco, já que a maioria dos filmes fracassa...então poderia ser perigoso para a economia. Mas como eles acharam que esse povo ia buscar dinheiro? rs
ExcluirGeralmente os mafiosos dos filmes são baseados nos reais, que dão o aval para a história, a caracterização e tal. Vou fazer um post indicando filmes baseados nesses mafiosos. Vi vários e nem sabia!
Estou muito surpresa com essas revelações. Me deu calafrios pensar na divina Madhuri Dixti atuando sob ameaça de pessoas armadas. Meu Deus!!! Tantos filmes lindos...
ResponderExcluirPS. Não assisto a Globo há anos, graças a você que soube do filme Neerja na Tela Quente. Muito obrigada!
Onde há dinheiro há sujeira, não é mesmo? É até estranho pensar em uns anos atrás, quando eu pensava que todos em Bollywood eram tão doces e decentes quanto os personagens de seus filmes...a gente cresce rs
ExcluirDe nada! Eu também mal vejo TV, um dia estava vendo novela com a minha mãe e levei um susto ao assistir ao comercial. Presentão para os fãs de Bollywood!
Aquele momento que você admira a Preity por encarar tudo de frente. Salman e SRK...sem comentários :(
ResponderExcluirRaquel
Num julgo porque sou tão medrosa que faria a mesma coisa...
ExcluirNão é julgamento. Você enquanto espectador é condicionado a pensar que eles deveriam tomar atitudes mais diretas na vida real. Quando não é assim (e entendo que realidade e ficção não andam tão juntas assim) bate aquela decepção básica da vida. Nada que um filme não faça eu superar rsrsrs....
ExcluirRaquel
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