Hum Saath-Saath Hain (1999)



Não é fácil admitir que gosto da Rajshri e, para mudar esta situação, já passei muito tempo recitando mentalmente o porquê de as produções serem ruins: todos os filmes da produtora são melodramas gigantescos sem grande profundidade emocional, no qual os atores passam três horas dançando, sorrindo histericamente e falando sobre valores familiares inalcançáveis. Os roteiros são dolorosamente fracos e soam falsos até para a pessoa mais crente em rígidos valores morais. Eles promovem a imagem de bom moço do Salman Khan desde 1989. Minha mente entende todos os argumentos, mas eles pouco importam quando surgem os belos sáris, começam os musicais caríssimos e todos começam a se abraçar e falar sobre o amor que sentem pelos pais. É tão bonito de ver e fácil de assistir que não requer o mínimo esforço, mas não é só isso. Há uma sensação de estar em casa com aqueles filmes. Quando dou por mim, já estou dançando Maiyya Yashoda.

Hum Saath-Saath Hain é provavelmente meu filme favorito da produtora, disputando espaço com o recente Prem Ratan Dhan Payo. Ambos são obras do diretor Sooraj R. Barjatya, que é responsável pelos maiores sucessos da Rajshri e também por conceder a Salman Khan o eterno papel de Prem, o mocinho romântico que é obediente aos pais e tem um enorme coração. Salman foi Prem em quatro dos seis filmes dirigidos por Barjatya, o que nos dá a dimensão da importância dessa relação para as carreiras de ambos. Em HSSH temos o Prem que mais divide espaço com outros personagens, pois é o filho do meio do casal Mamta (Reema Lagoo) e Ramkishan (Alok Nath). Junto aos irmãos Vivek (Mohnish Bahl), Vinod (Saif Ali Khan) e Sangita (Neelam Kothari), todos formam uma família feliz e extremamente unida que tem suas estruturas abaladas quando as amigas de Mamta sugerem que Vivek, que ela criou como um filho após a morte da primeira esposa de Ramkishan, possa um dia deixar os irmãos na miséria caso seja colocado à frente dos negócios da família. Temendo pelo bem-estar dos filhos biológicos, a mãe acaba dividindo a família quando faz a sugestão aparentemente absurda de uma divisão igualitária dos bens, ameaçando a união que tanto prezam.

A prole

Não é por eu gostar de um filme que não reconheça quando ele é hilário, o que é totalmente o caso de HSSH. A história começa com uma sequência enorme da família recebendo os convidados para a festa de 25 anos de casamento de Mamta e Ramkishan, que serve de pretexto para a introdução dos personagens e de suas principais características. Tudo normal, se não fôssemos apresentados a umas vinte pessoas. Filhos, filha, tios, primos, amigos, algumas pessoas cujas funções ainda não entendi (Shakti Kapoor parece ser um amigo da família que não sai da casa deles)...é um desfile no qual ao final passamos a confundir rostos e parentescos. O mais engraçado de tudo são os diálogos superficiais: a cada dez segundos alguém discursa sobre como é maravilhoso ter uma família tão unida. Crianças correm gritando "vovó!" (para uma senhora que não é sua avó, mas tudo bem), mulheres adultas brincam de pega-pega e Preeti (Sonali Bendre) enrubesce e desvia o olhar sempre que mencionam o nome de Prem. O conceito de família estendida foi levado muito a sério aqui.

A hierarquia familiar indiana é apresentada de forma bastante didática. Vivek é o herdeiro natural dos negócios e o conselheiro dos irmãos por ser o irmão mais velho. Todos respeitarem essa posição sem questionamento é o que mantém a base familiar, então fica a dúvida sobre como seria caso outro filho fosse mais apto que ele para os negócios. Prem é tímido e passa seu tempo refletindo sobre a simplicidade da vida e Vinod é agitado e brincalhão - posições corretas e nada ameaçadoras para irmãos mais novos. A hierarquia familiar coloca Sadhana (Tabu) logo acima dos rapazes após casar-se com Vivek, mesmo sendo mais nova que Prem. A esposa do irmão mais velho merece o mesmo nível de respeito que uma mãe e espera-se que demonstre afeto em igual nível por seus cunhados. É diferente ver Tabu nesse tipo de papel tradicional e recatado, pois ao longo dos anos nos acostumamos a vê-la como a grande atriz dos papéis pesados do cinema paralelo. Não pareceu normal vê-la servindo comida sem parar enquanto os homens da família permaneciam sentados, e isto ocorreu durante praticamente todo o filme. Independentemente disso, foi encantador vê-la dançando nos musicais.

Karisma Kapoor é a estrela feminina do filme com sua espevitada Sapna. Sua participação foi a maior em todos os musicais e seu romance com Vinod, em meio a piscadelas e cantadas juvenis, é um dos pontos mais adoráveis. De alguma forma Saif consegue fazer seu personagem ser mais divertido do que irritante e o ator certamente merece palmas pelo feito, já que é difícil trabalhar com um roteiro que frequentemente faz com que o núcleo jovem adulto aja como pré-adolescentes descobrindo o amor. Preeti e Prem, por exemplo, mal conseguem trocar duas palavras quando estão juntos e mesmo assim desejam nos convencer de que estão profundamente apaixonados e seu casamento dará certo. Sonali Bendre teve pouco espaço para desenvolver sua Preeti, que funciona na história como um meio-termo entre o tradicional e o moderno: ao mesmo tempo em que será uma boa esposa e é uma boa filha, completou seus estudos e é médica. O roteiro sempre leva à ideia da importância de não abandonar valores tradicionais em um mundo moderno, como também demonstrado pelos elogios ao coração indiano de Sadhana mesmo tendo sido criada no exterior.

Homens sendo servidos: uma constante.
O papel da mãe nas relações familiares é reforçado por Mamta não ser colocada como vilã, mesmo tendo todos os comportamentos de uma. Suas ações são justificadas pelo medo de que algo aconteça aos seus filhos, como aconteceu com o marido de sua filha Sangita (Neelam Kothari) - que foi roubado pelo próprio irmão-, e pela presença das vilãs do filme. São as vilãs que envenenam a alma de uma mãe dedicada, pois seria impossível que ela se voltasse contra um filho por iniciativa própria. Os elementos de cena colaboram para dar o tom da vilania: as vilãs aparecem nas sombras, em oposição às luzes e cores que antes cercavam a família. O preconceito com mulheres que não formaram família é muito claro nas falas dos personagens. Se você não formou família, sua única função é destruir as dos outros.

Boas moças se casam e formam famílias enormes e intrusivas

O drama principal de HSSH é inserido de forma mecânica e pouco natural, da mesma forma como aconteceu no filme anterior de Sooraj Barjatya, Hum Aapke Hain Kaun. O objetivo principal do filme é mostrar valores familiares por meio de diálogos, brincadeiras e canções. E não tem coisa que Barjatya faça tão bem quanto filmar canções. Cada musical deste filme é um festival estético para os olhos. O clássico Maiyya Yashoda se destaca ao mostrar a dança das noras da família em suntuosos sáris. Tenho especial carinho por Mhare Hiwada Mein, que também chamo de "a música dos pavões" (literalmente). Todos os clipes são adoráveis, até mesmo o nonsense ABCD, claramente feito para ser um sucesso entre crianças na fase de alfabetização. O medley de músicas clássicas também é divertido, com homenagens à Helen Jairag, Madhuri Dixit e Aamir Khan. O diretor já havia recorrido ao mesmo recurso em seu primeiro filme, Maine Pyar Kiya, e faz referência até mesmo ao próprio trabalho em Hum Aapke Hain Kaun. Como nunca canso de homenagens grandiosas, por mim ele pode fazer isso quantas vezes quiser.


O universo criado por Hum Saath-Saath Hain é falso e fantasioso em níveis extremos, porém talvez isto é o que faça deste mundo um lugar reconfortante. Esta família é feita de crianças grandes que aceitam e amam o lugar que lhes foi decidido antes de nascerem. Os homens querem seguir os passos do pai, as mulheres sonham em cuidar deles e o médico sugere que Vivek cure o problema do seu braço com homeopatia. É um mundo cor de rosa em que qualquer sofrimento não é criado internamente, mas sim trazido por serpentes venenosas advindas do mundo externo. Filmes não são feitos no vácuo e conversam com a sociedade na qual estão inseridos. A família de Ramkishan talvez seja o ideal a que muitas famílias estendidas aspiram a ser na Índia. Mais doloroso é pensar que os papéis tão subservientes, dóceis e pouco ameaçadores associados às mulheres sejam os sonhos dessas mesmas famílias. Hum Saath-Saath Hain não é um filme que se possa levar muito a sério, porém funciona bem como um retrato das hierarquias em famílias estendidas e um bom passatempo para quem se deixa comprar por sáris e cores. E eu já me vendi há muito tempo.

2 comments

  1. Só lendo seu post pra eu finalmente entender o pouco que consegui assistir do filme. Até hoje não sabia quem era irmão de quem, o que o pessoal estava fazendo ali. Pra mim a Reema Lagoo era mãe de todo mundo até das garotas, e todos seriam parentes em algum grau.

    Não há música que me convença de que esse filme seja bom, mas confesso que toda vez que ouço Mhare Hiwda Mein dá vontade de dar uma nova chance ao filme. Há mesmo algo de reconfortante em todos esses cenários grandiosos e na ideia de uma família unida, forte e feliz.

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    1. Vendo o filme com atenção, reparei que a confusão é causada porque tratam muitas pessoas que não são da família como se fossem. Por exemplo, a própria Karisma e os filhos do irmão do marido da Neelam (!). Essas crianças chamam a Reema Lagoo de vovó, sendo que ela não passa nem perto disso hahaha

      É esse conforto que sempre me leva de volta pra lá. Não é que seja bom, é que faz bem.

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