O início da paixão de alguém pela Bollywood antiga costuma ser repleto de filmes grandiosos e que mudaram a história do cinema indiano, como Sholay e Mughal-E-Azam. Após um tempo passamos a conhecer os filmes menores, às vezes famosos e completamente loucos que fazem você questionar como é possível que você esteja gostando daquele festival de absurdos e de que forma aquilo conseguiu fazer grande sucesso. É o caso deste filme. Nada faz sentido, porém a mente não deixa de pensar "ah, as músicas são tão legais. Ah, olha esses figurinos! Os protagonistas estão tão lindos!". É a vitória da estética sobre a racionalidade.
Sharmeelee (traduzido como Dois Amores, Um Destino em Portugal) conta a história das gêmeas Kanchan e Kamini (Raakhee). Enquanto a personalidade de Kanchan é tímida e envergonhada, Kamini é extrovertida e aventureira. Isto faz com que Kanchan seja constantemente rejeitada por seus pretendentes ao casamento, cujas famílias acabam preferindo a moderna Kamini. A gêmea alegre conhece o Capitão Ajit Kapoor (Shashi Kapoor) durante uma viagem com seu grupo de amigas e o rapaz rapidamente fica encantado por sua beleza e alegria, porém a moça vai embora antes que ele possa descobrir seu nome. Ao voltar para casa, o pai adotivo de Ajit o apresenta à uma moça com a qual gostaria que o filho se casasse e qual não é a surpresa de Ajit ao deparar-se com a bela moça que conheceu há poucos dias? O problema é que aquela não é Kamini, mas sim Kanchan. Muitas trocas de papéis entre as irmãs dão o tom da história.
É difícil analisar o capitão Ajit objetivamente por motivos de Shashi, o mais charmoso dos Kapoor. Como Amrita e Beth comentaram muito bem no podcast Masala Zindabad, Shashi fez alguns personagens bem desprezíveis e acabamos deixando-os passar porque ele é tão...bonito. Não é uma boa justificativa, porém a explosão de carisma do rapaz é tão intensa que dificulta passar incólume, especialmente por já termos uma tolerância maior ao machismo em filmes antigos. Ajit é ainda mais difícil de odiar por ser uma espécie de bom filho, militar e poeta que canta seus poemas para a mulher amada. Não é justo, Shashi. Desta vez consegui detestá-lo porque em um certo ponto do filme ele simplesmente tenta esganar uma mulher e age da forma mais grosseira e deprimente que se possa imaginar, entretanto mesmo nestes momentos foi possível apreciar o talento acumulado por Shashi em anos de teatro. Ainda não encontrei paralelos para sua capacidade de transitar entre os cinemas comercial, paralelo e o teatro.
Rakhee faz um bom trabalho com suas gêmeas, apesar de eu acreditar que provavelmente sua intenção não era fazer Kamini ser mais agradável que Kanchan. O tom excessivamente simplório e de humildade que emprestou à irmã boa é reforçado por um roteiro que traz uma Kanchan subjugada e fiel aos retratos femininos dos romances dos anos 60. O que traz alguma estranheza à Sharmeelee é essas mensagens antigas que opõe "tipos de mulheres" estarem com a nova e brilhante roupagem dos anos 70. Em meio à tanta ação, belos musicais e reviravoltas, é fácil não perceber que há uma mensagem antiga com nova embalagem: mulheres tradicionais são as melhores e sua resignação será recompensada.
A trilha de Sharmeelee foi composta por S.D. Burman, que é meu produtor musical favorito de Bollywood. A divertida trilha tornou-se um grande sucesso na Índia assim que foi lançada. A canção mais famosa provavelmente é O Meri Sharmilee, mas minha favorita é a Aaj Madhosh Hua, que representa o sonho de Kanchan de estar junto de Ajit. A voz de Lata Mangeshkar encaixou-se perfeitamente à proposta sonhadora da canção e a locação é belíssima - inclusive gostaria de saber onde se passa. Seria Shimla?
Apesar de discordar dos valores transmitidos, senti que este foi um dos filmes mais loucos e dinâmicos que já assisti não apenas em Bollywood, mas na vida. As reviravoltas são frequentes tanto na parte romântica da história quanto na de ação. Há lutas em aviões, assassinatos, espionagem, trocas de irmãs e até hospitalização. Houve um momento em que eu não tinha palavras para descrever o que estava acontecendo e a percepção do meu próprio nível estupefação muito me divertiu. Não é comum, porém considero muito bem-vindo um filme começar pela linha básica do romance e ir revelando-se tão surpreendente que prende o espectador na sua cadeira à espera do próximo evento. O filme seria melhor se não tentasse unir um enredo policial à uma história de triângulo amoroso que já era complicada o suficiente para render uma história inteira. Às vezes a simplicidade por ser a melhor escolha.
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