Agneepath (1990 vs 2012)

Este texto estava guardado há muito tempo. Agneepath teve um enorme impacto sobre mim e tive dificuldades em resumir todos os motivos pelos quais adorei o filme. Sendo assim, mexi tanto nesta postagem que nem sei mais como imaginava que ela seria no início. Estava ficando difícil conclui-la e ia desistir, mas pensei que uma última tentativa para organizar a bagunça não custaria muito esforço. Até porque já tinha muita coisa escrita e tive pena de jogar fora! Este é o resultado. 

Recentemente vem sendo feitos alguns remakes de filmes clássicos em Bollywood. Não gosto desta tendência porque a maioria dos filmes é muito boa e qual é o sentido de fazer um remake, se não para adicionar algo de bom que tenha faltado no original? Um bom remake foi o de Don, um filme cuja história poderia se beneficiar bastante sendo produzida atualmente, já que traz um traficante internacional e muitas cenas de ação. Um remake desnecessário foi o de Umrao Jaan. E um que me deixou indecisa foi o de Agneepath. Ao mesmo tempo em que percebi que muito poderia ser melhorado em relação ao original, este havia sido feito em 1990. Parecia cedo demais para se refazer um filme. Foi com a cabeça cheia de dúvidas, muita vontade de ver o Rishi Kapoor e curiosidade pelo personagem do Sanjay Dutt que fui assistir ao filme. O plano para hoje é discutir um pouco de ambos os filmes, compará-los no que for possível e ver suas maiores forças e fraquezas. Tratarei mais do novo por ter me impressionado mais. 

Agneepath, que pode ser traduzido como “caminho do fogo”, é a história de Vijay Dinanath Chauhan (Amitabh Bachchan/Hrithik Roshan). Quando criança, Vijay morava com os pais na aldeia de Mandwa. Seu pai era o honesto professor Dinanath Chauhahn (Alok Nath/Chetan Pandey), que tinha o respeito e admiração de todos os aldeões. Kancha Cheena (Danny Denzongpa/Sanjay Dutt) planeja começar um negócio de venda de drogas e precisa das terras dos aldeões para o plantio de coca. Como o professor convence o povo a não emprestar suas terras, o vilão arma um plano para desmoralizá-lo e fazê-lo ser linchado. A tragédia acontece e Vijay passa anos de sua vida sedento por vingança. 

Muito Vijay Chauhan nesta vida.

Para facilitar, vou dividir em tópicos e chamar o primeiro de antigo e o segundo de novo.

Os vilões

No antigo, o principal vilão era Kancha Cheena. Havia também outros homens que queriam matar Vijay para não permitir seu crescimento nas atividades ilícitas que conduziam juntos, mas eram rostos sem nome, de pouca importância. Kancha era o cara. O problema foi eu não ter entendido o porquê de tanto ódio ao vilão, que parecia ser mais um articulador das maldades do que um agente em si. Ele disse a um inimigo do professor Dinanath que este precisava ser eliminado, mas a ação mesmo ficou por conta de Dinkar Rao. O filme perde um pouco de sua visceralidade por isto, especialmente em comparação com o novo. Neste, o professor morre pelas mãos de Kancha Cheena. Isto faz uma diferença enorme! Você sabe exatamente por que Vijay passa tantos anos com aquele rosto em seus pensamentos, por que não vai descansar enquanto não destruí-lo. O vilão é muito mais forte no novo. Sanjay Dutt criou um Kancha absolutamente assustador, do tipo que apavora criancinha mesmo. Tem uma pequena passagem do Kancha ouvindo vozes do seu passado que dão a entender que seus problemas no trato social vieram de lá, das humilhações que sofria das outras crianças por não ter cabelo. Isto se reflete na sua perturbação, seu ódio por espelhos e seu desprezo pelo ser humano.

O Kancha de Danny Denzongpa é mais um mafioso estiloso. Seu problema com Vijay parecia mais relacionado ao quanto ele atrapalhava seus negócios. Bem diferente da tensão entre Vijay e Kancha no novo filme. Kancha quer ver as pessoas sofrendo, quer que o circo pegue fogo.

Um novo vilão foi adicionado: Rauf Lala (Rishi Kapoor).  Esta deve ser uma das melhores atuações do Rishi Kapoor em 20 anos, talvez a melhor que jamais verei. Todos os seus negócios são escusos, desde o tráfico de mulheres até o tráfico de drogas. É por meio do império construído por ele que Vijay planeja crescer para enfrentar Kancha. Vijay deseja assumir a posição de Rauf Lala e isto é simbolizado pelos momentos em que calça seus sapatos. Mas Rauf não está disposto a deixar seu império ir tão barato assim, o que nos permite vez a fantástica disputa de poder entre ele e Vijay.

Everyday I love you more and more! Sóri ae, Kaiser Chiefs.

Mesmo sabendo que Kancha é o vilão principal e tendo ficado assustada com ele, Rauf Lala me impressionou mais. Certamente foi por ter mostrado um lado tão diferente do Rishi,  aposto que nem ele imaginava que desempenharia tão bem o papel. Até mesmo agora que está mais velho, ainda é fácil para o Rishi manter a imagem de rapaz adorável que o consagrou. Mas quando o vi como Rauf Lala, o desprezo e raiva que senti me tomaram de surpresa. Eu queria que ele morresse, que pagasse caro por vender meninas a velhos imundos, que sofresse o quanto fosse possível. Rishi é um ator completo. Toda a sua expressão corporal transmitiu a arrogância do Lala, em especial na canção Shah Ka Rutba. Você sabe que ele se sente importante e que as pessoas assim o veem, sua presença domina o ambiente. Nem eu sabia que o Rishi era tão competente.

Vijay Dinanath Chauhan, pura naam

Não vou comparar Hrithik Roshan a Amitabh Bachchan. Primeiro, por serem atores de tempos muito distintos. Mas principalmente por seus Vijays terem sido pensados de modos diferentes.

Moleques tensos.
O Vijay do antigo tem um quê a mais de estilo, de jovem enfurecido (minha tradução de hoje para angry young man, apesar de o Amit nem estar tão jovem). Todas as suas falas parecem clássicas, ele salva a todos, mata alguns, tudo com a grandiosidade do Amitabh Bachchan. Ele fez um experimento que não funcionou para mim e nem para o público da época: mudou sua voz para o filme, deixando-o semelhante à do Don Corleone. Detestei e levei pelo menos 40 minutos para me acostumar com ela. Já o Vijay do Hrithik carrega muita dor dentro de si e ela está manifesta em seus olhos, no andar, em tudo o que é e faz. O ator que fez o Vijay de 12 anos ajudou muito no processo de passar para o público a sensação de que tudo o que aconteceu na vida do garoto transformou sua percepção de vida. Ele ficou assustador. Sua transição para o Hrithik foi bem feita e reforçou a ideia de que o adulto Vijay ainda era o mesmo menino, parado no tempo e imobilizado pela dor da perda do pai.

Toda a dor que o Hrithik conseguiu mostrar me fazia oscilar entre desejar que ele deixasse toda aquela vingança de lado e desejar que conseguisse concretizar seu objetivo. Sou uma pessoa absolutamente contra vinganças, então ficar nesse dilema não foi fácil para mim. Aquele sofrimento parecia ter tomado conta de cada parte dele, por dentro e por fora, então eu queria que ele não mais sentisse aquilo. Na verdade, acho que era isto o que todos do filme queriam. Que ele se libertasse. Vijay é tão ambíguo! Ao mesmo tempo em que contribuía para a caridade, não hesitava em fazer parte da gangue de um traficante de drogas e mulheres. Até nossos sentimentos acabam influenciados pela ambivalência dele.



Pelo que percebi, o Vijay do Hrithik foi construído para ser mais sensível. O Vijay do Amitabh é daquele tipo que grita e maltrata quando quer expressar sentimentos. O do Hrithik estava imerso em si mesmo, chorava, estava altamente perturbado. Pessoalmente, prefiro o novo. 

Baap ka naam, Dinanath Chauhan. Maa ka naam, Suhasini Chauhan. Gaon, Mandwa.

Muita cor dor.
A família do Vijay mudou um pouco de uma versão para a outra. A mãe, Suhasini, não mudou grande coisa: continuou desprezando a vida que o filho levava e negando amor a ele. Já Shiksha, a irmã mais nova, mudou bastante! Na primeira versão foi interpretada pela Neelam e tinha muito carinho pelo irmão, que a amava bastante. Mesmo assim, nem se compara com a importância da personagem no filme novo. Sua idade foi diminuída e em vez de chegar pequena em Mumbai com a mãe e o irmão, nasce apenas ao chegar à cidade. É então estabelecida a primeira ligação entre os irmãos: depois de morte, sofrimento e fuga, Vijay vê o nascimento de uma vida nova. Shiksha mal nasce e já está nos seus braços. Ele acaba de perder um membro da família e logo vem outro tão pequeno, sem saber de nada do que aconteceu. Suhasini separa os dois com Shiksha ainda pequena, então ela passa anos sem saber que tem um irmão. Como perda e ganho vieram em sequência, fica fácil entender por que a distância daquela irmã o machuca tanto. Ele perde sua família duas vezes.

Menos cor, ainda muita dor.

Mandwa, a aldeia onde tudo acontece. O objetivo do Vijay no antigo é dar Mandwa à sua mãe. Vingar-se de Kancha Cheena parece ser um objetivo maior no novo, sendo Mandwa o local onde tudo deve ter início e fim. Sabem filmes como Wape Up Sid e Kahaani, nos quais a cidade é um dos personagens? No antigo, Mandwa parece um personagem, de tanta vida que ganha na imaginação do Vijay.

As moças

Não é tarefa fácil ser heroína de Agneepath, sejamos justos. Na primeira versão era uma enfermeira interpretada pela Madhavi que só baixava a cabeça e se sentia triste. Na única vez em que levantou a voz, Vijay basicamente a ameaçou de morte. Fiquei apavorada. A situação melhora um pouco no filme novo com a heroína Kaali, uma espevitada moça interpretada por Priyanka Chopra. Kaali tem mais espaço que a Mary da Madhavi, apesar de também não ser peça fundamental do filme. Não gostei de atuação da Priyanka, que achei um pouco forçada nos sorrisos e olhos revirados. "Não gostei" é um pouco forte. Na verdade, acho que poderia ter sido melhor se ela tivesse carregado menos na expressão. Sabem quando parece que uma pessoa está forçando simpatia? Então. Eu via Priyanka interpretado Kaali, não apenas Kaali.

Madhavi não está com cara de foto de RG?

E o humor?

Krishnan Iyer (Mithun Chakraborty) é um personagem muito importante no filme antigo. É um amigo de Vijay que se torna quase um irmão, chegando a ter um romance estranho com Shiksha. Estranho porque é um daqueles romances em que fazem a transformação da moça ocidentalizada descarada em boa moça submissa indiana para mostrar o surgimento do amor entre eles. Argh, detesto isso. Além de ter um romance com mais consistência que o de Vijay, Krishnan também era responsável pela parte cômica do filme, que foi drasticamente diminuída no filme novo. Na minha opinião, foi uma decisão acertada. Apesar de mais pesada, a história também ficou mais focada e algumas cenas menores e clipes conseguiram cortar um pouco o clima sombrio no filme novo.



As músicas!

Filme antigo: trilha? Que trilha?
Filme novo: MELDELS, EU ADOREI ESSA TRILHA, POR QUE NÃO OUVI ISSO ANTES?

Gun Gun Guna, Shah Ka Rutba, Deva Shree Ganesha...é possível não gostar da trilha após ver os clipes? Agneepath já merece todo o meu amor só por ter dado um qawwali ao Rishi Kapoor no qual constatamos o óbvio: Rishi é o maior, Rishi é o melhor, etc, etc.

E tem ela. O item number. A item girl. Não assisti ao clipe antes de ver o filme e acho que fiz bem. Chikni Chameli é um item adaptado ao filme como poucas vezes se viu. A coreografia é estranha, pesada. Só não fica desengonçada porque a Katrina Kaif tem total controle do que está acontecendo. Aquele espaço é dela. A Kat evoluiu muito como dançarina desde Sheila Ki Jawani.

O clipe mostra o retorno do Vijay a Mandwa e sua distância em relação à dançarina parece refletir uma outra, que é a que o separa de Kancha e da Mandwa por ele criada. Ela tenta seduzi-lo, mas ele não quer nem olhá-la. Ela ataca e tenta levá-lo para o seu mundo sujo, mas ele está decidido em seu objetivo e não vai se deixar enganar. Há uma parte em que essa interpretação ficou mais firme para mim, que é o momento em que Kancha fica à frente da dançarina e os dois avançam em direção a Vijay. É como se o estivessem convidando para suas trevas. Enquanto isto, tudo ao redor é dominado por chamas. O caminho de fogo continua.



E este é o clipe que marca a volta do Vijay a Mandwa no antigo. Jamais coloquem o Shakti Kapoor em algo que eu deveria levar a sério, gente.

O que tiro de tudo isto?

O remake de Agneepath foi muito acertado e funcionou totalmente comigo! Consegui me identificar mais com o sofrimento de Vijay Chauhan e assisti a três enforcamentos sem que isto estragasse o filme para mim (apesar de ter ficado um pouco assustada). Não é o mesmo filme de 1990, mas os dois tem em comum um trabalho cuidadoso com  imagens, clipes e figurinos. A história ficou mais forte no novo. Se for para escolher um dos dois como clássico, não duvidem de que escolho o lugar onde Rishi Kapoor estiver.

Minha grande frustração com os filmes é sentir que ainda tenho uma compreensão muito superficial do poema Agneepath, em que são baseados. O significado do caminho do fogo deve ser mais intenso. Parece que não consigo ver além de uma exigência para que jamais se permita a própria fraqueza, coisa da qual discordo plenamente. Mas deve ter mais ali. E no dia em que eu descobrir o que é, escrevo aqui. Mesmo que seja para apenas chegar à conclusão de que não havia muito mais do que eu pensava. Até lá...agneepath, agneepath, agneepath.

2 comments

  1. Anônimo10/7/12

    Concordo com algumas de suas opiniões como:‘Sanjay Dutt criou um Kancha absolutamente assustador, do tipo que apavora criancinha mesmo.’Eu fiquei apavorada!!

    Sobre Rauf Lala:‘Eu queria que ele morresse, que pagasse caro por vender meninas a velhos imundos,que sofresse o quanto fosse possível.’Rishi tava tão asqueroso que embrulhou meu estomago,só de lembrar a cena do Rauf vendendo as crianças como escravas num leilão fico enojada.De fato Rishi deve ter surpreendido muitos fãs...pra mim sua interpretação foi brilhante.

    Também achei que o garotinho (Vijay novo) soube interpretar direitinho os momentos de tensão e sofrimento. Hrithik estudou bem o personagem e não perdeu a essência que fora dado pelo ‘garotinho’.

    Senti que Kaali tava muito passiva vendo o Vijay naquela vida, mas como você escreveu que a antiga:‘só baixava a cabeça e se sentia triste’ a atual tá no lucro por ser mais alegre e espevitada.

    Por último, mas não menos importante… Concordo que:‘Chikni Chameli é um item adaptado ao filme como poucas vezes se viu.’Kaif soube interpretar direitinho o ambiente de Mandwa sob domínio do mal,e a mensagem sutil para o Vijay foi perfeita. Confesso que me deu nervoso vê-la dançar rodeada de homens com cara de bandido/tarado.

    Gostei muito do texto.

    Raquel.

    ResponderExcluir
  2. Raquel, sobre o Rishi: ELE NÃO É O MÁXIMO? Até agora estou feliz por ter sentido tanto nojo dele!

    Adorei o modo bem 'fluido' (?) como se deu a transição do garotinho para o Hrithik. Ambos pareciam perturbados e, o mais importante: pareciam a mesma pessoa. E olha que nem são tão parecidos, o trabalho que foi bom mesmo.

    A atual só é boa em comparação mesmo, Raquel. Se for pensar no produto final, essa e a outra poderiam ser cortadas do filme e nada mudaria. Mas o Vijay do antigo era mais grosso com a namorada e ela era bem mais passiva que a Kaali. Pelo menos a Kaali aparentava ser mais companheira do Vijay, até por no filme atual eles terem crescido juntos. O vínculo ficou mais forte. Ainda assim, foi estranha essa posição dela de ficar parada de fora, olhando para o Vijay enquanto ele cumpria o que acreditava estar destinado a fazer. Será que ela desistiu dele ao ver tanta dor acumulada ao longo dos anos?

    Em Chikni, não dava para saber se a moça dominava o ambiente sujo ou se ele a tinha criado para ser daquele jeito!

    Muito obrigada por ler e trocar ideias, Raquel! Não espero que leiam quando escrevo demais :P

    ResponderExcluir

Deixe um comentário e me conte o que achou!

Comentários ofensivos serão excluídos.