Tenho o costume de anunciar já no início dos textos quando não gosto do trabalho de um diretor. Pode parecer antipático, porém minha intenção é deixar claro para o leitor que tudo o que virá a seguir é altamente influenciado por uma visão que há muito estabeleci sobre aquele artista. Esta visão geralmente não é inflexível, mas tem lá suas conseqüências. Feita a introdução, declaro que detesto Sanjay Leela Bhansali desde o primeiro filme. É mais forte que eu. Não gosto da opulência, do predomínio da forma sobre o conteúdo e do excesso de simbolismos.
Como toda versão de Romeu e Julieta, nesta também temos o intenso ódio entre duas famílias. Os Capuletos e Montecchios são substituídos pelos Sanera e Rajadi. A duas famílias são responsáveis por contrabando, tráfico e tudo o que há de pior na aldeia de Ranjaar. Leela (Deepika Padukone) é a menina dos olhos da família Sanera. É protegida como um diamante pelo irmão e pela mãe, a poderosa Dhankor (Supriya Pathak). Na casa Rajadi está Ram (Ranveer Singh), o divertido par de Leela. O rapaz é contra o mortal ódio entre os dois clãs e apregoa que todos os problemas sejam resolvidos pacificamente. Ram e Leela são ousados, sensuais e apaixonam-se loucamente. O amor é tão intenso que suas individualidades vão se perdendo, um não consegue pensar na vida sem o outro e fundem-se em um só ser: Ram-Leela.
As referências ao Twitter e a celulares indicam que a história se passa no presente, porém a sensação transmitida é a de existir um ponto suspenso no espaço e no tempo e que é nele que tudo acontece. Ranjaar é um lugar afastado do mundo, onde nada além da rivalidade entre os dois clãs importa. Os belos cenários e figurinos de Bhansali estão presentes, apesar de passarem longe de quase cegar o espectador, como é de costume. O brilho foi guardado para os musicais, e o ambiente cotidiano de Ranjaar tem um toque escuro e rústico, coerente com o clima à margem da lei que predomina na aldeia. Este peso do cenário também está presente no romance. Ram e Leela são mais terrenos que os habituais amantes etéreos do diretor. Eles se acariciam, mordem, apertam e beijam. É como se tentassem tornar-se uma só pele. Foi o romance mais sexualmente explícito que já vi de Bhansali, que aproveitou a cumplicidade entre Ranveer e Deepika para criar cenas atrevidas. E esses dois foram além da sensualidade na construção dos personagens.
Deepika ofereceu ao público uma Leela segura e ciente de seus desejos. Seus grandes olhos foram bastante destacados e registraram inicialmente a alegria juvenil de Leela, depois transformada em dor. É óbvio seu amadurecimento artístico e muitas vezes me surpreendi hipnotizada por suas falas, olhares e gestos. Entretanto, minha maior surpresa foi com a atuação de Ranveer Singh. Costumava vê-lo apenas como um ator histérico e bem malandro — características pessoais bem aproveitadas na primeira fase de Ram, quando ainda era apenas um jovem sedutor e despreocupado, interessado somente em ver pornografia e caçar garotas. Ram é egocêntrico e obcecado pela própria masculinidade, como o típico jovem estúpido. Como apontado por minha amiga Joseli, sua vaidade é representada pela figura do pavão. É em sua transformação para apaixonado amargurado que está a beleza do trabalho de Ranveer, que conseguiu expressar o desespero que se apodera de Ram ao ser separado de Leela. Quando as crenças e expectativas do menino são todas destruídas, ele finalmente compreende a existência de forças mais fortes que o seu desejo. Não basta desejar a paz para que os homens a façam e nem querer o amor para que ele seja permitido. As circunstâncias obrigam o menino mimado a sair de cena para dar lugar ao homem atormentado, que é levado a agir de acordo com princípios que não são seus.![]() |
| "Parece um filezinho de borboleta" - MÃE, minha. |
Não chamarei as canções de ponto alto do filme, pois ele tem muitos. Elas encaixam-se perfeitamente na história e acompanham a mudança de romance para tragédia. A canção mais representativa do Ram na fase ousadia & alegria é a fantástica Tattad Tattad. Ranveer rebola, faz uma mulher desmaiar ao arrancar a camisa e coça a cabeça repetidamente. Provavelmente a intenção era ser sexy, mas minha reação é sempre rir, levantar e imitar o Ram. Reação parecida me provoca Ishqyaun Dhishqyaun, marca do romance inconseqüente de Ram e Leela. O casal é mostrado se divertindo com o fato de seu amor ser perigoso e quase mortal. Há ainda outros destaques na trilha, sendo Nagada Sang Dhol o maior deles. Shreya Ghoshal (queridinha do blog) cantou com um vigor que foi também transmitido pelo vídeo, que é grandioso e espetacular como todo bom vídeo do senhor Bhansali. Considero-o tão clássico quanto Dola Re Dola ou Nimbooda.
Não permitir que a opulência sufocasse a história foi o grande trunfo do filme. A estética é colocada a serviço da história e o espectador torce pela felicidade do casal, a despeito de quão conhecido seja o final de Romeu e Julieta. Isto mostra que foi conseguido um afastamento da história original, sendo ela reinventada a tal ponto pelos novos personagens que o espectador se permite esquecer qualquer conhecimento prévio. Com tantos pontos positivos, esse Romeu e Julieta com muitos tiros e sangue já garantiu seu posto de melhor romance trágico dos últimos anos.





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