O grande problema de Chor Machaye Shor (1974)

Filmes antigos são desafiadores. Por mais que se esteja acostumada a assisti-los, sempre haverá o estranhamento dos diferentes costumes vindos de outra época. O caminho comum é relevar o que for pouco importante e não esquecer que as ideias e hábitos de uma sociedade não permanecem os mesmos. Entretanto, há vezes em que nem todo esse cuidado é suficiente para impedir o horror com o diferente. E Chor Machaye Shor passou de todos os limites do aceitável.

A história não aparentava ter grandes problemas. Mocinho e mocinha se amam. Pai da mocinha rica não permite que a filha se case com mocinho pobre e o acusa falsamente de estupro para fazê-lo ser preso. Mocinho vai preso e foge com seus colegas de cela. Mocinho busca vingança. E aí começa a grande falha.

"Agora eu vou estuprá-la de verdade!"

Vijay (Shashi Kapoor), o mocinho que deveríamos admirar, vai até a casa de Rekha (Mumtaz) para estuprá-la. Segundo ele, era o momento encarnar o monstro que foi acusado de ser. Como torcer por alguém que usa da sua superioridade física sobre a pessoa que ama para subjugá-la e feri-la? Me recuso a aceitar tamanha brutalidade justificada pelos sentimentos de mágoa e ódio. Para piorar o quadro, Rekha diz que ele pode estuprá-la. Ele pede perdão e ela aceita o imperdoável.

Fosse apenas por esta cena, o filme já estaria ruim – porém, talvez fosse um problema pontual e a história seguiria um bom caminho. Pelo contrário, o roteiro utilizou do estupro repetidas vezes como gatilho para momentos dramáticos do filme. A banalização de uma forma violência tão hedionda foi o grande problema de Chor Machaye Shor. Em duas horas e meia de filme houve a primeira tentativa de estupro de Rekha, duas tentativas de estupro de uma aldeã pelo personagem de Danny Dezongpa – que era um dos “mocinhos” da história – e mais uma tentativa de estupro de Rekha por um dos vilões – e este deveria ser feito na frente de todas as pessoas da aldeia onde os personagens principais passaram a morar. Mocinhos ou vilões, todos os potenciais estupradores tentaram demonstrar seu poder sobre as vítimas. 

"Me solte. Isso machuca."



"Você estuprará a Rekha em público."

É enojante o tratamento pouco cuidadoso dado ao assunto. As vítimas não sofreram com os acontecimentos e nem ficaram seqüelas emocionais ou físicas. Foi parte do cotidiano delas e não influenciou em nada na história. A violência contra as mulheres muitas vezes é usada no cinema indiano como forma de justificar ou incrementar a narrativa dos heróis ou vilões. As personagens femininas são retiradas de suas próprias vivências para que estas possam servir a outros, então não há lugar para tristeza, sofrimento ou qualquer desdobramento esperado numa situação de estupro. A importância reside apenas em como isso afeta a jornada do homem da história.

Como reforcei o quanto é comum esse tipo de situação no cinema indiano, minha indignação pode parecer estranha. O que fez Chor Machaye Shor saltar aos meus olhos foram dois fatores: a grande quantidade de vezes em que o mesmo recurso foi utilizado e sua utilização tanto por mocinhos quanto por vilões. A visão geral passada é que dependendo do estado de espírito de um homem, seja lá qual for o seu caráter, uma mulher sempre estará em posição vulnerável.

Para além do seu maior problema, Chor Machaye Shor não é um bom filme. Sua história é cansativa, é impossível gostar dos personagens principais por tudo o que já foi relatado e as canções e clipes não são nada memoráveis. Para finalizar em um tom mais ameno, destaco o pouco que há de bom. A música Le Jayenge, Le Jayenge deu nome ao famoso filme de 1995 Dilwale Dulhania Le Jayenge, estrelado por Kajol e Shahrukh Khan. O clipe traz Shashi mostrando ao pai de Rekha que levará sua noiva embora de sua casa, mesmo com as objeções. É divertido, jovial e engraçado. Tudo o que o resto do filme deveria ser.

2 comments

  1. O que esperar de um filme cujo título é inspirado em uma música deste maravilhoso clássico?

    Que fique mais de vinte anos em cartaz, obviamente.

    Indianos...

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    1. Lembrando sempre da ma-ra-vi-lho-sa cena de DDLJ em que o SRK finge que transou com a Kajol para assustá-la. Aprendeu a ser babaca com o clássico.

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