Aradhana (1969)

Às vezes um filme pode ter muitos elementos que fariam você odiá-lo, mas o modo como as coisas são conduzidas é tão interessante e outros elementos são tão bonitos que você acaba gostando do conjunto. Mais do que gostar do conjunto, me senti feliz por ter tido a oportunidade de ver Aradhana. É um daqueles filmes feitos para ser um espetáculo. Tudo é tão importante para a história que peço a quem ainda não viu e tem interesse que só volte aqui depois de assistir ao filme, pois considero até a mínima coisa como spoiler. 

Anos 60: muito, muito, muuuito pyaar!

Arun (Rajesh Khanna) é um piloto da Força Aérea Indiana que se apaixona por Vandana (Sharmila Tagore) em um de seus dias de folga. Os dois se amam muito e acabam se casando em um momento no qual se deixaram levar, mas a união não foi feita publicamente. E em um momento de fraqueza, dormem juntos e Vandana logo engravida. O casal planejava fazer um casamento tradicional perante todos, mas Arun morre tragicamente em um acidente de avião, sem poder contar a ninguém que sua união com Vandana era legítima. Assim, ela deve criar seu filho sozinha para cumprir o sonho de Arun: que o filho também seja um piloto da Força Aérea Indiana. Vandana é condenada a muitos anos de prisão logo na primeira cena, então seguimos sua história para saber o que a levou até aquela situação. O filme foi dirigido por Shakti Samanta e o roteiro é de Sachin Bhowmick. É versão de um filme hollywoodiano de 1946 que é conhecido no Brasil como Só Resta Uma Lágrima ("To Each His Own").


Me seduzir de unifome não vale, Rajesh!
Uma ideia muito errada passada pela história é a de que filhos devam ser criados para cumprir os sonhos de seus pais. Prefiro chamar de “ideia” ao invés de “mensagem” porque ninguém diz isto diretamente, como se fosse uma obrigação — pode-se entender como algo acontecido especificamente naquela família cuja história estamos conhecendo. Entretanto, ainda assim não esqueço o contexto em que esta história foi contada. Isto é Bollywood, aqueles eram os anos 60 e sabemos que até hoje fazem inúmeros filmes sobre o quanto os jovens são massacrados pelos sonhos dos pais. E é por todo este contexto maior que não vejo o pedido do Arun para a Vandana como algo tão somente deles assim, sem ser uma situação comum naquele meio social. Tanto pode ser assim, que a única pessoa que perguntou “Mas e se o menino não quiser ser piloto?” fui eu. Esta questão é crucial, já que é a única razão que faz a Vandana querer continuar vivendo após perder o Arun. E por falar nela, sou um pouco egoísta para entender alguém que decide dedicar toda a vida à outra pessoa mesmo que esta não esteja mais aqui, porém ninguém no filme falou nisto como um dever da Vandana, o que achei bem legal. Muito bom também foi o apoio que seu pai lhe deu e o reconhecimento dado à força da filha. Não é todo dia que vemos isto!




Que a sociedade indiana era (ou ainda é, não sei) preconceituosa com as mães solteiras, eu já sabia pelos filmes. Agora, uma informação trazida por Aradhana e que preciso de alguém para me tirar a dúvida: na Índia, em algum momento as mães solteiras foram proibidas de registrar seus filhos? Fiquei confusa com toda a necessidade de dar a criança para a adoção e depois a própria mãe adotá-la para que pudesse ter o filho legalmente. 

Agora vou para tudo o que faz Aradhana ser tão lindo e mágico. Meus romances favoritos são os dos anos 60, porque conseguem reunir tudo o que faz o amor fantasioso de Bollywood ser tão especial: as músicas eram melhores, os cantores, os cenários, as paisagens, os sáris, os vinte quilos de maquiagem das atrizes, o modo como a heroína e o herói se olham, as falas...tudo o que pode fazer um romance bollywoodiano arrancar suspiros está presente em peso nos anos 60. E este filme é lindo de se olhar. Parecia que o Rajesh e a Sharmila realmente não conseguiam tirar o outro da cabeça. Cada vez que ela suspirava, eu entendia por quê. Toda vez que ele sorria por estar muito apaixonado, eu sabia que fazia sentido. Às vezes os romances acontecem rápido demais e eu, desconfiada que sou do amor à primeira vista, passo o filme inteiro me perguntando se aquele tal “amor” tão arrebatador realmente vai durar. Foi diferente em Aradhana porque o próprio Arun disse que tudo foi muito rápido e parecia surpreso por amar intensamente a Vandana em um espaço de tempo tão curto. Esta pontinha de sinceridade no meio do sonho foi o suficiente para o casal me convencer. 

Ô sorriso bonito, sô!
Outro fator que faz o casal ser tão bom é que sua relação começa com muita inocência e brincadeiras, para lentamente (e depois de muitas musiquinhas lindas) ficar sério e nos fazer torcer para que tudo dê certo. Daí pode-se imaginar meu semi-desespero (eu estava num bom dia, não ia me desesperar com qualquer coisa) quando do nada o Arun morreu e...pá, surpresa! O filme era da Vandana, não do casal! Eu andava muito acostumada com filmes antigos centrados na heroína serem protagonizados pela Nutan, então ver a Sharmila Tagore sob os holofotes foi muito surpreendente. Gostei tanto da sua atuação! Não digo que tenha sido a mais maravilhosa do mundo porque isto é competência da Nutan, mas até anotei durante o filme que estava surpresa de ver tanto amor nos olhos da Sharmila pelos meninos que interpretaram seu filho, especialmente pelo menorzinho. Foi muito fácil acreditar na sua transição de mocinha apaixonada e despreocupada para mãe que sacrifica tudo pelo filho. A transição é ainda mais forte quando a Sharmila é maquiada para mostrar a passagem dos anos. Não é que consegui vê-la como velhinha, apesar de a terem escurecido? Mais uma prova de que, surpresa, a Sharmila é talentosa! Conseguiu carregar mais de duas horas de filme, fazendo bem tanto a parte mais doce quanto a dramática. Vê-la neste filme pode ser interessante para a Bárbara, que, assim como eu, implica com a Sharmila (e a Mala Sinha). 

Mãe, acordei cor de barro.


A trilha é uma das pérolas do S.D. Burman, que sempre fazia as melhores. Todas as canções são lindas, letra e melodia. Até música sobre abelhinha tem.

Mere Sapno Ki Rani é o  famoso clipe em que o Rajesh flerta com a Sharmila enquanto ela viaja de trem. E o Rajesh está tão adorável, mas tão adorável (agora multiplique por mil)! Fazia tempo que não me apaixonava por um herói dos anos 60. Chanda Hai Tu, Mera Suraj Hai Tu rapidamente entrou para minha lista de favoritas por ser uma canção de mãe para filho. É fácil transformá-la em canção de ninar, e eu já disse que não resisto à elas. Adoro crianças e me emociono fácil com canções relacionadas à elas. Enfim, meu futuro filho vai gostar dessa música.

Roop Tera Mastana é um clás-si-co do Kishore Kumar que se tornou minha música de diversão (não tem nada melhor pra sensualizar, oi!). No filme ela é utilizada para dar a entender que uma relação sexual está ocorrendo/vai ocorrer, só que demorei muito a entender que era isto. Esses filmes indianos antigos sempre me confundem quando querem falar de sexo, mas sem fazê-lo claramente. De todo modo, a lição a ser tirada é: se o Rajesh Khanna está olhando para você com uma estranha cara de cachorro carente (por isso que eu não estava entendendo) e você está enrolada em um lençol laranja, provavelmente tem coisa aí.

E eu lá ia deixar passar a foto mais 
fofa de todos os tempos da Faridinha?

Hoje em dia já aceitei que quanto mais problematizo o mundo, menores são as chances de eu gostar de absolutamente tudo de um filme. Sempre vou achar alguma coisinha que me incomoda, e entender isto me fez sentir menos culpa pelos defeitos que venho encontrando nos meus filmes favoritos, coisas que ou não percebi ou não me incomodaram antes. Não gostei de toda a devoção e sacrifício em Aradhana porque não é isto que quero para a minha vida ou para a de qualquer pessoa, porém todo aquele sofrimento foi muito bem contado e nunca me desinteressei da história. Na minha opinião, um dos motivos para o filme funcionar é que a parte dramática (com a Sharmila sofredora e abandonada) não se estendeu muito, logo entrando a Farida Jalal com toda aquela vivacidade (bela presença no filme). Sendo assim, é um filme bem equilibrado. O Rajesh e a Sharmila tinham sensibilidade um com o outro, o filme traz muitos momentos doces para equilibrar com a carga dramática e o final foi muito bonito. Na minha visão, já é o suficiente para achar que um filme pelo menos merece ser visto.

2 comments

  1. Confesso que assisti a "Aradhana" por dois motivos: o primeiro (essencial) foi Rajesh, que, para mim, é o ator mais lindo da Bollywood clássica. O segundo motivo foi "Roop Tera Mastana", música que eu adoro. Amo Kishore Kumar e a intensidade do simbolismo nesta cena torna tudo tão mágico! É um dos momentos eróticos mais poéticos que já vi não só no cinema indiano, mas no cinema mundial.
    Inicialmente, não pensei que este filme pudesse me tocar tanto. Pensei que fosse apenas mais uma história de romance juvenil, até o momento em que o Arun morreu e eu, assim como você, quase entrei em desespero. Mas, mesmo sem ele, o filme continuou. Na minha opinião, a direção do Shakti Samanta cometeu alguns pequenos deslizes: o primeiro é quando o Suraj nasce. Ele nasce de pele escura e quando a história dá um salto cronológico para mostrá-lo com um ano/um ano e meio, ele está branco e loiro. Depois temos outros saltos cronológicos que acompanham o crescimento dele e que o mostram, de fato, com os cabelos pretos e a pele morena característica dos indianos, até chegarmos novamente no Rajesh. Aliás, outro ponto interessante: tive um pequeno choque quando o Rajesh reapareceu como Suraj, mas a interpretação dele (mais vivaz, talvez) realmente convence de que se trata de alguém mais jovem.
    Também confesso que foi um pouco difícil ver a Sharmila tão envelhecida. Segundo o filme, ela foi condenada a 14 anos de prisão, mas teve a pena diminuída em 12 por bom comportamento. Não acho possível que alguém tão jovem envelheça tão rapidamente em 12 anos, mas considerei a tristeza e o sofrimento pelos quais ela teve de passar e foi mais fácil vê-la grisalha.
    Mas apesar de tudo, "Aradhana" foi de encontro a minha essência melodramática e não pude evitar derramar aquela pequena lágrima no final. Para mim, Vandana expressa a dor do "ser mulher" no Oriente, e me emociono ao imaginar o quanto este filme levou (e leva) uma mensagem de esperança a um povo tão sofrido (visto que Bollywood, até hoje, tem maior distribuição em países como Afeganistão, Irã, Iraque e etc). E Sharmila merece toda aclamação por sua interpretação.

    Beijos e meus parabéns pelo blog, estou adorando acompanhar!

    Rafaella

    www.imperioretro.blogspot.com

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    1. Rafa, não acredito que um comentário tão bom me tenha passado desapercebido :(

      Esses pequenos detalhes de caracterização e continuidade nunca foram o forte dos filmes antigos de Bollywood, então lembro de não pensar muito a respeito enquanto assistia ao filme. Tenho a impressão de que os diretores indianos têm uma preocupação muito maior com a visão geral e estética do filme do que com os pequenos elementos que os compõem, já notou isso? É muito fácil pegar erros e deslizes, talvez por isso mesmo. Ainda assim, lembro de também ter considerado a transição de idade da Sharmila exagerada.

      Meu amor por este filme vem de ele ser inegavelmente da protagonista mulher. Rajesh Khanna jamais esteve tão charmoso e todas as minhas melhores lembranças dele vêm deste filme, mas Aradhana é fundamentalmente a jornada da Vandana - e isto é lindo em plena Índia de 1964.

      Obrigada pelo elogio ao blog :)

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