Semana Nutan: Artigo sobre a Nutan na Filmfare, parte 1

O artigo a seguir foi tirado da edição do dia 17 de março de 2010 da revista Filmare e disponibilizado na internet pelo bollywooddeewanaque sempre disponibiliza ótimas entrevistas, por sinal. Eles entrevistaram amigos e parentes da Nutan parar criar uma ideia a respeito de como ela seria. Algumas partes da entrevista me incomodaram porque a Nutan ficou um pouco santificada e eu queria exatamente tirá-la do pedestal em que a coloquei, mas é muito boa por dar a impressão de que aquela calma que ela me passa pode ter sido um reflexo de quem realmente era. Também pode ser que estivessem tentando nos forçar esta imagem, mas prefiro ser otimista com a florzinha de laranjeira.

A entrevista é grande e a tradução demandou mais tempo do que eu esperava. Havia várias palavras que eu não sabia o que significavam e frases que não entendi bem, mas dá para entender tudo, ficou satisfatório. Há três depoimentos dos três irmãos dela que ficaram em partes separadas da entrevista geral, então vou colocá-los em um outro post para que este aqui não fique maior do que já será. Espero que gostem!

Em Busca De Paz

Amigos e família lembram-se da Nutan que conheceram. Meera Joshi registra as memórias.



Lata Mangeshkar havia dito uma vez que ela era a única heroína que parecia estar realmente cantando na tela. Então, ela era o sonho de um cameraman. Ela não tinha ângulos ruins. Ela também não precisava de diálogos, seus olhos falavam muito. Seu sorriso contagioso e suas lágrimas comoventes encontraram seu reflexo nos rostos do público. 

Filha mais velha da atriz Shobhana e do diretor e escritor Kumarsen Samarth, Nutan (4 de Junho de 1936 – 21 de Fevereiro de 1991) era uma criança magricela, escura. Diz-se que V. Shantaram a chamou de folha. Poucos perceberam que por trás daquele exterior, havia um cisne que roubaria milhões de fôlegos. Ela foi coroada a segunda Miss Índia em 1951. 

Uma veterana de 75 filmes, Nutan fez sua estréia aos 14 em Hamari Beti (1950). Diz a lenda que mesmo que tenha atuado em Nagina, não foi permitido que o assistisse, já que ele tinha o certificado de “Apenas para Adultos”. Entre seus filmes conhecidos estão Paying Guest, Anari, Sujata, Bandini, Seema, Chhalia, Saraswatichandra, Devi e os mais recentes Main Tulsi Tere Aangan Ki, Naam e Meri Jung. Seu caso era raro: mesmo que a atriz tenha feito diversas pausas em sua carreira, nunca foi esquecida. Ela se recuperava a cada vez com um vigor renovado. 

Filmfare falou com seus amigos íntimos, o fotógrafo Gautam Rajadhyaksha, a jornalista Lalitha Tamhane, as irmãs Tanuja e Chatura e o irmão Jaydeep, para juntar as partes do enigma que era Nutan. Nós queríamos que seu filho Monish Bahl falasse de sua mãe, mas ele não conseguiu nos dar uma entrevista, apesar das diversas tentativas de marcar uma.


Alma Relutante

As famílias Rajadhyaksha e a Samarth tem sido próximas por décadas. Falando da infância de Nutan, o amigo da família, Gautam, lembra-se de Shobhana Samarth dizendo a ele que Nutan era um bebê muito irritadiço e que não parava de chorar. Ela foi examinada pelos melhores pediatras, que não conseguiam achar nada de errado nela. Contudo, quando tinha oito meses, um astrólogo comentou que ela era uma “alma relutante”, que a alma dela havia atingido a salvação, mas algum desejo ainda não estava realizado desde o renascimento, muito contra sua vontade. Gautam, além dos trabalhos juntos, também era seu confidente. Ele era íntimo de suas alegrias e tristezas.

Também o era Lalita Tamhane, uma jornalista independente que a encontrou pela primeira vez nos sets de Rishta Kagaz Ka e escreveu um livro sobre a atriz — Nutan-Asen Mi Nasen Mi, em Marathi. “Compartilhamos uma incrível compatibilidade desde o nosso primeiro encontro.”, ela revela. E mesmo após a entrevista há muito ter acabado, elas mantiveram-se em contato. Diz Lalita, ‘’Ela não tinha ares de superioridade. Ela era muito pé-no-chão e normal. Sofisticada, digna e muito humana. Ela frequentemente aparecia para almoçar em casa e às vezes, até mesmo passava o dia inteiro conosco. Uma vez eu disse à ela que queria que ela falasse sobre o Bimal Roy para uma edição de Diwali, fiquei doente e não pude ir. Ela fez todo o caminho de Colaba até a minha casa em Thane, escreveu a entrevista e a deu a mim. Ela estava saindo da cidade e não queria que eu perdesse meu prazo de entrega.”

Falando de sua amiga, Lalitha diz que Nutan nunca gostou de ninguém carregando sua caixa de maquiagem para ela. Ela mesma a pegaria e se asseguraria de que seu maquiador e seu cabeleireiro houvessem comido antes que ela se sentasse para almoçar.

Gautam reforça Lalitha. “Você frequentemente a encontraria de calças, camisa e rabo-de-cavalo resolvendo suas coisas de banco ou mesmo comprando verduras. A vida dela era normal.”

Apesar de os pais serem separados, o pai Kumarsen Samarth estava sempre presente em toda festa familiar. Lalitha lembra: ‘’Ele era apegado a cada membro da família e sempre estava lá quando as crianças precisavam dele. Nutan era afeiçoada ao seu pai, assim como era à sua avó, Rattan Bai, e ao amigo da família, Motilal, a quem as crianças chamavam de Motikaka. Ele era como uma figura paterna.”




Carreira
Por ter sido alvo de zombarias devido a sua aparência física quando criança, ela escolheu fazer papéis não-convencionais em Seema, Bandini e Sone Ki Chidiya em um tempo no qual não havia diferenciação entre cinema de arte e cinema comercial. E esses filmes também davam certo nas bilheterias. Ela recebeu vários prêmios internacionais e cinco prêmios Filmfare por Melhor Atriz e um por Melhor Atriz Coadjuvante.

“Ela era apaixonada por seu ofício,”, diz Lalitha. “Ela gostava de atuar e poderia até mesmo ter se voltado para a direção um dia.” Gautam adiciona, “Ela dirigiu Dharmendra em um de seus primeiros filmes, Soorat Aur Seerat, apesar de o crédito ter sido dado ao seu marido.”

Nutan lamentava-se por papéis principais nunca serem escritos para atrizes mais velhas. De acordo com Gautam, uma vez ela perguntou a Javed Akhtar: ‘’Devo fazer apenas a mãe ou uma tia? Não tenho nenhum cabelo grisalho na vida real, mas me fazem usar perucas brancas para as telas. É tão não natural. ’’

Profissional, pontual e disciplinada, diz-se que Nutan sempre estava pronta, com a maquiagem no ponto. Não importava a ela que seus colegas ainda não houvessem chegado. ‘’Quando estava filmando Anari, ela estaria no estúdio às nove, enquanto Raj Kapoor só aparecia às duas da tarde. Então, Hrishikesh Mukherjee gravava as cenas sozinhas dela e as cenas combinadas com outros artistas até as duas. Porque ela tinha que sair às seis’’, declara Lalitha.

Gautam também se lembra de seus modos pontuais. Ele narra, ‘’Depois de uma sessão de quimioterapia, ela estava filmando para Garajna com Vinod Khanna, Rishi Kapoor e Sridevi. Vinod não aparecia e ela ficou sentada sob o sol quente de Mahabalipuram. Sridevi a chamou para esperar do lado de dentro, mas ela disse que só queria terminar a filmagem assim que ele chegasse e ir embora. O mesmo Vinod Khanna que uma vez disse que ele se tornaria uma estrela de cinema agora que havia trabalhado com Nutan em Main Tulsi Tere Aangan Ki’’. Lalitha recorda-se de também esperar com sua amiga pela chegada de Sanjay Dutt nos estúdios de Naam.

Refletindo, Lalita diz, ‘’Ela era muito apegada ao Bimalda (Roy), um de seus primeiros diretores, que a chamava de ‘Notoon’ e à Amiya Chakravarty, que a chamava de ‘Angel’(anjo). Introvertida, ela era muito quieta nos estúdios, mas era muito observadora e podia imitar todos os seus colegas muito bem. Ela pegava uma frase e a falava assim como qualquer um deles faria. Ela era hilária’’.

Os maquiadores de artistas Sarosh Mody e Pandhari Junker são conhecidos por terem dito que a atriz tinha um rosto perfeito, ela poderia ser filmada de qualquer ângulo. De fato, eles nunca usaram blush nela, já que as maçãs de seu rosto eram tão belas que a sombra que eles jogavam faziam o truque. Adiciona Gautam, ‘’O rosto dela é o mais belo que já fotografei. Exatamente o mesmo em ambos os lados. A pele dela brilhava e mesmo que não usasse perfume, sempre cheirava a sândalo. Não a estou endeusando, mas o estoicismo com o qual ela aceitou o que o destino lhe mandou quase fez dela uma santa.’’

Lalitha lembra-se de Nutan pressagiando que se aposentaria em 1990. ‘’Pouco sabia ela do porquê o faria’’, suspira sua amiga.

Nutan tinha 25 filmes em mãos quando descobriu que tinha câncer. Devolveu o dinheiro dos contratos de todos aqueles que estavam menos que 25% completos e disse ao resto de seus produtores para completarem seus filmes em menos de um ano.



Casamento

''Nutan era fascinada por homens de uniforme e queria se casar com um homem que servisse às forças armadas. Seu casamento dela foi arranjado, mas ela se apaixonou pelo oficial naval quando o viu pela primeira vez’’, confidencia Lalitha. Nutan se casou com o engenheiro naval, Tenente Comandante Naval Rajnish Bahl em 11 de outubro de 1959. O único filho deles, Mohnish, nasceu em 14 de fevereiro de 1963. Relutante em dizer qualquer coisa que possa magoar Mohnish, Gautam revela que sua querida amiga teve um casamento traumático. Mas ela estava determinada a fazê-lo funcionar. Seus pais separaram-se após 14 anos de casamento e ela não queria que o seu terminasse daquele jeito. Diz ele, ‘’Shobhana disse uma vez que com a ajuda do então Ministro de Defesa Krishna Menon, eles acessaram os arquivos pessoais de Rajnish e descobriram que ele tinha uma ficha impecável. Ele foi inicialmente posto em Cochin, mas ninguém sabe o que aconteceu após isto. Apesar de nunca ter impedido sua esposa de trabalhar, Bahl aposentou-se precocemente para gerenciar o dinheiro dela. Ele gostava bastante de processos e levar pessoas ao tribunal. Então, os jornalistas eram muito cautelosos com o que escreviam.’’

Adiciona Gautam, ‘’Nutan era muito preocupada com seu único filho. Com que ele se saísse bem como ator. Mas foi só depois de ela ter falecido que Mohnish ganhou reconhecimento. Em seus últimos seis meses, ela deixou de ficar de olho nele, já que sabia que não tinha muito mais a viver e queria ver se ele poderia se virar sozinho, se ele estava guiado para a direção correta. ’’


Ele continua, ‘’Shobhana acreditava em investir em imóveis e periodicamente fazia a filha comprar apartamentos. Eles até mesmo tinham uma casa no topo de um monte em Mumbra de onde se via por cima o riacho de Mumbra de um lado e o Mar Arábico do outro. Além disto, havia terra em Lonavala que foi dividida entre a família depois que Shobhana faleceu’’.

Comentando sobre questões de dinheiro que levaram a um desentendimento com sua própria família, Lalitha diz, ‘’Nutan nunca estava atrás de dinheiro ou propriedades. Ela estava acima de todas essas coisas. Uma moça simples, ela preferia salwar kameez de algodão ou sáris de voal e não era apegada a jóias.’’ Neste caso, era ela instigada a pedi-las? Nenhuma resposta está disponível.

Mas é óbvio que as relações entre Rajsnish Bahl e os Samarths eram pesadas. Lalitha me informa que Nutan a pedia para encobri-la quando ia visitar sua família. ‘’Ela vinha me encontrar, mas no caminho, ela encontrava primeiro Aai e Tanu. Então se eu recebesse uma ligação perguntando sobre ela, eu dizia que ela estava a caminho.’’

Gautam lembra-se da versátil atriz ligando para ele sem falta às oito de duas a três vezes na semana para discutir seu dia e perguntar sobre o dele. ‘’Para ser honesto, eu fui tomado de surpresa’’, ele observa. ‘’Aqui estava uma talentosa e estabelecida atriz falando comigo. Costumava me deprimir quando ela me contava sobre o que acontecia em casa. Mas isso a descarregava e eu a ouviria. Não havia nada que eu pudesse fazer para ajudá-la, o que era perturbador.’’

Lalitha diz, ‘’Nos compartilhávamos um forte laço. A nossa relação era quase uma de mãe e filha. Nós confiávamos uma na outra. Isto foi possível porque ela estendeu sua mão em amizade. Eu também era próxima de Smita (Patil). E quando ela morreu em 1986, fiquei muito abatida. Nutan passou um tempo comigo e até mesmo me acompanhou até a casa de Smita. Ela cuidou de mim, mas então, cinco anos depois ela também partiria.’’




Inclinações Espirituais

Lalitha revela, ‘’Nutan sempre foi espiritualmente inclinada. Mesmo que não houvesse estudado nenhuma das duas línguas, ela escrevia bhajans em sânscrito e bhojpuri. É um milagre. Ela escrevia frases gramaticalmente corretas em ambas as línguas, mas não sabia falar nenhuma das duas. Mesmo ela não conseguia explicar isto. Talvez fosse tudo relacionado à sua vida passada. Mas certamente ela era extremamente desenvolvida espiritualmente. Após falar com ela, a pessoa se sentia em paz. Ela tinha um efeito em todo o redor.’’

Neste caso, como ela pôde ter uma vida pessoal tão traumática? Lalitha raciocina, ‘’Ela acreditava que tinha de passar pelo trauma se quisesse atingir a salvação. Então, ela suportou. Ela sofria porque acreditava que precisava atravessar isto para ser finalmente livre.’’

A Palavra com “C’’

Falando sobre seu câncer fatal, Gautam recorda-se, ‘’Enquanto Mickey (Contratado, maquiador) a estava preparando para a filmagem, reparou em manchas pretas na pele dela. Quando perguntamos à ela sobre, disse que havia participado de um clímax onde usaram explosivos e havia muita fuligem. Ela tentou remover as manchas, mas elas não estavam saindo. Dissemos que deveria ir examiná-las e acabou que ela tinha câncer. Em duas semanas foi operada, mas os nódulos linfáticos já haviam sido infectados. Ela passou por duas fases de quimioterapia, mas eventualmente sucumbiu.’’

Fazendo uma pausa, Gautam reflete, ‘’Ela não tinha nenhuma vontade de viver. Ela não era muito feliz. Sua morte foi anunciada na primeira página do The Times Of India, eles também fizeram um artigo e um editorial sobre ela. Isto fala muito do calibre dela enquanto atriz. A única bênção salvadora de seus últimos dias foi que se reconciliou com sua mãe, avó e irmãs. A reaproximação veio quando sua avó doente, Ratan Bai Shilotri (também atriz) expressou o desejo de ver Nutan. Depois disto, as coisas se resolveram. No meio tempo, houve um período de aspereza que ela estoicamente suportou como algo por que ela estava destinada a passar. Acredito que após ter recebido o diagnóstico de que tinha câncer, ela foi à casa de sua mãe e anunciou, ‘Agora eu serei livre.’ ‘’

E ela foi. ‘’Havia um sorriso em seu rosto quando ela se foi’’, diz Lalitha. ‘’Porque ela finalmente estava livre’’.

Como a própria Nutan escreveu uma vez, ‘’Quando a morte chegou com lágrimas em seus olhos, ela sorriu e foi com ela.’’

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