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Os anos 90 foram coroados pela ostentação da riqueza em Bollywood. A época nos presenteou com musicais em mansões grandiosas, sáris caríssimos e viagens pela Europa, cenário que não mudou muito no início dos anos 2000. Na última década, entretanto, houve uma forte mudança nos padrões de histórias contadas na indústria, trazendo desta vez personagens mais acessíveis e parecidos com o público que os assiste, com a classe média indiana vendo a si mesma e seus desejos materiais nas figuras dos atores e atrizes. 

Ayushmann Khurana é um ator que parece vir se especializando nesse tipo de personagem simples e próximo de nós, reles mortais. Um dos seus filmes de maior sucesso foi Dum Laga Ke Haisha, em que interpreta Prem, jovem que ajuda o pai em sua loja de fitas cassete e que não apresenta grandes perspectivas de futuro por não ter conseguido terminar a escola. Sua família precisa aumentar a renda e para isso o obriga a entrar em um casamento arranjado com Sandhya (Bhumi Pednekar), jovem com os estudos completos e que poderá ajudar a família com seu salário de professora. Prem se casa completamente infeliz por não sentir atração pela noiva que é acima do peso. Todo esse cenário aumenta sua frustração por não ter um bom emprego ou uma bela esposa para mostrar aos amigos, levando a conflitos no casamento.


A forma excessivamente prática como a instituição do casamento é apresentada entra em conflito direto com a visão romantizada que a maioria dos filmes de Bollywood costuma nos mostrar. Aqui o casamento é visto principalmente em termos financeiros, mas não da forma dramática como é mostrado em filmes que criticam a cultura do dote, por exemplo. A noiva é escolhida para aumentar a renda da casa e também para dar um rumo à vida do filho. Os conflitos familiares da família de Prem mostram que se espera docilidade e trabalho duro de uma moça recém-casada, lugar que Sandhya recusa a assumir. Sheeba Chaddha está especialmente boa como a tia amargurada por seu casamento não ter dado certo e estar morando com o irmão. Suas trocas de palavras com a esposa do sobrinho são maldosas e gordofóbicas, cabendo à ela de forma bastante natural e não vilanesca a função de mostrar à Sandhya a real visão da família sobre seu corpo e suas funções naquele ambiente. Sanjay Mishra e Alka Amin estão bastante divertidos como os pais dramáticos e invasivos de Prem. O excesso de interferência nas vidas uns dos outros, incluindo até mesmo a vida sexual do filho, é um retrato leve e divertido do que talvez seja a família estendida real - e essa realidade parece bem menos amorosa e cor-de-rosa do que aprendemos nos filmes de Karan Johar. 


A gordofobia em relação à Sandhya é o principal tema do filme. Seu corpo é visto como algo feio e aversivo, sem nenhuma qualidade e anulando todo o resto da sua personalidade - Prem vê Sandhya como um corpo que despreza e nada mais. É neste ponto que a construção da personagem encanta, pois Sandhya ama a si mesma e tem orgulho tanto de sua beleza quanto de sua inteligência. Ela é a única que se vê como uma pessoa inteira e digna de respeito e amor, em nenhum momento aceitando a visão estreita e limitada de mulher que tentam lhe passar. Em breves cenas vemos que até mesmo seu irmão menor zomba de seu corpo, o que nos sinaliza que em uma possível história prévia da personagem veríamos que sua batalha pelo amor próprio teve início dentro de sua própria casa.  Para além de seu corpo, a jovem também tem que defender seu direito a ter educação formal, pois o fato de ser formada e mostrar qualquer conhecimento é colocado como manifestação de sua arrogância, especialmente por ser mais educada que toda a família do marido. Ela serve para a família por poder trabalhar graças ao seu diploma, mas esse mesmo diploma é usado contra ela. Sandhya é inteligente e forte, mas também é sexual e não hesita em fazer o que puder para ter uma vida de casada saudável. Bhumi Pednekar transmite as diversas facetas de sua personagem e a conduz desde a ilusão alegre do início do casamento até perceber a rejeição do marido e interesses de sua família com bastante sensibilidade e humor, de forma que a segurança de Sandhya não soe artificial ou panfletária. 

O Prem de Ayushmann inicialmente não me pareceu bem interpretado por não conseguir transmitir com clareza os sentimentos do personagem, porém ao longo do filme fica mais evidente que tal confusão é característica da falta de objetivos do rapaz. Ele vivencia uma frustração enraivecida que a todo momento é ativada pela esposa, que tem foco e muito mais força do que ele jamais teve e cuja presença o faz lembrar-se disso regularmente. A firme recusa de Sandhya em se invisibilizar para não ser motivo de vergonha para ele  reforça sua fraqueza e conforme a história progride e Prem começa a compreender o que deseja da vida, menos confusas parecem as emoções do personagem.

A construção do amor entre o casal é lenta e muito mais baseada no respeito mútuo e amizade que em alguma explosão romântica inesperada. A partir do momento em que não existe mais pressão para que fiquem juntos e cada um pode escolher seu próprio caminho, a falsidade e grosseria familiar vai sendo substituída por gentileza e sinceridade. A caminhada pelo romance é tão leve que não pesa sobre quem está assistindo. Em meio a todas as opiniões de familiares, eles criam seu próprio mundo de honestidade e carinho. Infelizmente essa fase é muito curta e não pudemos ver tanto da evidente química entre Bhumi e Ayushmann, mas o pouco que aparece nas eletrizantes cenas finais já vale muito a pena - quem não ficou gritando e batendo palmas com a adrenalina daquele momento inesquecível na história do cinema indiano, brilhantemente envolvido pela canção Dum Laga Ke Haisha?


Dum Laga Ke Haisha é uma jornada um pouco mais próxima da realidade do que o costume, mas com suficientes afeto e descontração para que a experiência de ver um filme comercial não seja perdida. A direção de arte contribuiu muito para ambientar a simplicidade da classe média indiana e cada detalhe simples de um pequeno quarto ou humilde cozinha chama tanta atenção quanto os cenários grandiosos de outros filmes. O coração desse filme está nas atuações brilhantes de todo o elenco, com destaque para Bhumi Pednekar, com uma estreia impressionante e sensível nos cinemas. É gostoso ver histórias sobre preconceitos reais em que as pessoas que sobrevivem em meio a tamanho ódio gratuito sejam mostradas também em sua força, coragem e inteligência. Fiquei triste quando o filme acabou por já sentir saudades dos personagens, como só ocorre nas boas histórias - e serei eternamente grata ao diretor Sharat Katariya e a todo o elenco por me sentir assim. É por esse tipo de transformação nas telas, mesmo que tímida, que cada vez amamos mais Bollywood. Agora o homem comum também é estrela.



É com muita alegria que trago mais um episódio do Bollywoodcast para vocês! Isa do Mania de Bolly e eu falamos sobre Shahrukh Khan, fazendo um passeio por sua carreira como ator e também produtor. Uma fofoca ou outra acabou saindo e também respondemos às perguntas que vocês mandaram no Facebook. Espero que se divirtam tanto quanto nós nos divertimos gravando. Acessem o episódio aqui.
Em todo início de filme somos apresentados às produtoras que investiram seu tempo e dinheiro na esperança de que aquela obra seja um novo sucesso de bilheteria. Vários artistas possuem suas próprias produtoras, como Shahrukh Khan (Red Chillies Entertaiment), John Abraham (JA Entertainment), Aamir Khan (Aamir Khan Productions) e Anushka Sharma (Clean Slate Films), que produziram clássicos como Lagaan e Om Shanti Om ou inovações como Vicky Donor e NH10. Hoje conheceremos algumas das produtoras mais famosas de Bollywood, não associadas a produzir filmes apenas para atores específicos.


RAJSHRI PRODUCTIONS




Esta é uma das mais tradicionais produtoras da indústria, lançada em 1962 por Tarachand Barjatya. O foco desde o início e mantido até os dias de hoje por seus netos Sooraj Barjatya e Kavita Barjatya é na produção de filmes voltados para o público familiar, com transmissão de firmes valores morais para os espectadores. Podemos facilmente reconhecer os filmes da Rajshri pelas cenas e musicais com rituais tradicionais do hinduísmo.

O primeiro filme da produtora foi Aarti (1962) e o primeiro grande sucesso veio dois anos depois, com Dosti, que trouxe atores praticamente desconhecidos. Em 1989, Sooraj Barjatya aventurou-se na direção com Maine Pyar Kiya, filme de estreia de Salman Khan. A mesma dupla de diretor e ator reuniu-se novamente em 1994 com Hum Aapke Hain Kaun...!, filme que revolucionou o cinema indiano ao trazer novamente as famílias para as salas de exibição ao afastar-se das temáticas violentas do cinema da época, com uma história sem agressividade ou vilões. O filme representou uma revolução no cinema indiano, revigorando uma indústria em franco declínio e redefinindo o que se entendia por blockbuster.


A Rajshri experimentou lançar alguns filmes com temática mais contemporânea, como Main Prem Ki Deewani Hoon (2003) e Isi Life Mein (2010), mas não obteve sucesso na empreitada. Eles têm lançado poucos filmes nos últimos anos, com destaque para os sucessos Vivah (2006) e Prem Ratan Dhan Payo (2015).


VISHESH FILMS




Os irmãos Mahesh e Mukesh Bhatt abriram a empresa em 1986 e a nomearam em homenagem ao filho de Mahesh, Vishesh. Os dois irmãos dirigiram os catorze primeiros filmes da produtora, entre os quais destacou-se o romance Aashiqui (1990), que anos depois receberia um remake. Nos anos recentes a produtora tem lançado filmes de baixo orçamento, alguns com temática sexual e de terror, como os thrillers eróticos Raaz (2002), Murder (2004) e Jism (2003). Todos esses filmes tiveram sequências, outra característica atual da produtora. O ator Emraan Hashmi, sobrinho de Mahesh e Mukesh, é bastante associado à imagem da Vishesh por ter estrelado quinze filmes dela.



YASH RAJ FILMS


Todo ator novato sonha com uma estreia na glamourosa e colorida YRF, companhia fundada pelo lendário diretor Yash Chopra em 1970. Hoje a empresa conta com uma estrutura grandiosa que controla todo o processo de elaboração de seus filmes, desde a produção até a distribuição, marketing e afins. Seu primeiro filme foi Daag: A Poem of Love (1973), dirigido pelo próprio Yash Chopra, que também dirigiu numerosos sucessos para sua empresa como Kabhi Kabhie (1976), Chandni (1989) e Veer-Zaara (2004). A YRF exerceu importante papel de sucesso na carreira de Shahrukh Khan com Dilwale Dulhania Le Jayenge (1995), dirigido por Aditya Chopra, filho de Yash. A companhia é hoje dirigida pela família, com os irmãos Aditya e Uday Chopra e sua mãe Pamela no comando. A esposa de Aditya, Rani Mukerji, também faz parte da direção. O gerenciamento da empresa é em sua maioria familiar, com exceção do vice-diretor Aashish Singh.



As comédias românticas dos últimos anos da empresa foram responsáveis pelo lançamento de atores famosos como Anushka Sharma, Parineeti Chopra e Ranveer Singh. É comum a YRF lançar novas estrelas com um contrato de três filmes, o que mantém a imagem dos atores associada à marca. Apesar de a imagem principal da empresa ainda ser associada ao romance, a série Dhoom e filmes recentes de Salman Khan como Sultan e Ek Tha Tiger também são interesses da produtora.

UTV MOTION PICTURES




A UTV foi fundada em 1996 pelo casal Ronnie e Zarina Screwvala, sendo parte do conglomerado empresarial da UTV Software Communications. Seu primeiro filme foi a produção indo-canadense Such a Long Journey (1998), dirigido pelo canadense Sturla Gunnarsson. A produtora se destacou por seu estilo executivo e urbano, diferenciando-se das tradicionais produtoras familiares de Bollywood pela visão comercial estratégica e colocando-se como protagonista do processo de profissionalização da produção de filmes em Bollywood. O primeiro grande sucesso de público e crítica veio em 2006 com o drama social Rang de Basanti e nos anos seguintes houve investimento em outras obras com temáticas ousadas, como a indústria da moda em Fashion (2008). A empresa faz muitas parcerias para co-produção com outras produtoras, tendo assim participado de sucessos como Dangal (2017) e Chennai Express (2013).



NADIADWALA GRANDSON ENTERTAINMENT PVT LTD



A família Nadiadwala está no ramo do cinema desde 1955 e o primeiro filme produzido por ela foi Inspector (1956). A família já está em sua terceira geração na indústria, sendo Sajid Nadiadwala o responsável pela retomada dos negócios. Ele abriu e nomeou a empresa em 2005 ao tornar-se produtor independente e desde então a produtora destaca-se principalmente pelos filmes de comédia e ação, como Hey Babyy (2007), Judwaa (1997), Heropanti (2014) e a série Housefull. Sajid estreou como diretor em 2014 com o blockbuster Kick (2014). Os dramas Tamasha (2015) e Rangoon (2016) foram duas incursões recentes da empresa no gênero dramático, mas não tiveram bom desempenho. Os filmes comerciais de massa seguem sendo o carro-chefe da empresa.



DHARMA PRODUCTIONS




Yash Johar fundou a Dharma em 1976 e teve bastante sucesso com Dostana (1980), estrelado por Amitabh Bachchan e primeiro filme da Dharma. O sucesso não foi repetido pelos 18 anos seguintes, tendo a companhia amargado sucessivos fracassos na bilheteria até o momento de o filho de Yash, Karan Johar, lançar seu primeiro filme, Kuch Kuch Hota Hai (1998). O imenso sucesso comercial do filme recolocou a Dharma no mercado, posição que foi fortalecida pelo segundo filme de Karan, Kabhi Khushi Kabhie Gham (2001). Yash faleceu após o lançamento de Kal Ho Naa Ho (2004), que também foi um enorme sucesso de bilheteria. Karan não tinha conhecimentos do gerenciamento da empresa, mas assumiu a direção da Dharma após a morte do pai e convocou seu amigo Apoorva Mehta para ajudá-lo.


Karan revolucionou a direção artística da empresa, inserindo em seus filmes temas pouco explorados pelo cinema comercial como a homossexualidade em Dostana (2008) e infidelidade conjugal em Kabhi Alvida Naa Kehna (2006). As comédias românticas jovens e urbanas são a principal característica da empresa, além do lançamento de novos diretores como Karan Malhotra em Agneepath (2012) e Punit Malhotra em I Hate Luv Storys (2010). Recentemente também houve incentivo ao lançamento de jovens atores, com destaque para o trio Alia Bhatt, Sidharth Malhotra e Varun Dhawan em Student Of The Year (2012).

VINOD CHOPRA FILMS




O diretor Vidhu Vinod Chopra lançou sua própria empresa em 1985 com o filme Khamosh. Seu próximo lançamento foi Parinda (1989), que também dirigiu e fez enorme sucesso de público e crítica, mudando a representação da violência no cinema indiano. Os próximos lançamentos da produtora foram também dirigidos por ele, o que mudou em 2003 com Munnabhai M.B.B.S, sucesso estrondoso de Rajkumar Hirani. Hoje ele é responsável pelos enormes sucessos comerciais da produtora, como 3 Idiots, Lage Raho Munna Bhai e P.K.



BALAJI MOTION PICTURES


O ator Jeetendra deu início à Balaji em 2001, sendo ela uma subsidiária da sua empresa Balaji Telefilms, fundada em 1994 e focada na produção de conteúdo para a televisão, como telenovelas e reality shows. A companhia é totalmente dirigida pela família, tendo na direção a esposa de Jeetendra, Shobbha Kapoor, e seus filhos Tusshar e Ekta. 


Ekta Kapoor foi a responsável pela entrada da família na produção para cinema com o fracasso comercial Kyo Kii... Main Jhuth Nahin Bolta (2001). O primeiro sucesso veio em 2005 com Kyaa Kool Hai Hum, a primeira comédia sexual da indústria. A partir de 2007 foram feitos investimentos em filmes com temáticas mais pesadas que chamaram a atenção da crítica, como  Shootout at Lokhandwala, Love Sex Aur Dhoka e Shor In The City. Em 2011 público e crítica ficaram impressionados com a biografia da atriz Silk Smitha em The Dirty Picture. Os últimos anos trouxeram alguns sucessos, como Main Tera Hero (2014) e Udta Punjab (2016) e o investimento em comédias sexuais segue firme.

E aí, percebeu que alguma produtora é responsável pela maior parte dos seus filmes favoritos? Conte qual!

Escrever sobre cinema indiano sendo uma pessoa de fora de cultura envolve diversas limitações. A primeira provavelmente é a língua, que impede o acesso a elementos muito comentados por fãs do cinema hindi, como a forma de o artista falar os diálogos e diversas brincadeiras e poesias que só conseguem ser acessadas pelos falantes nativos. A restrição que considero mais marcante ainda é a barreira cultural, que sempre restringirá minha compreensão completa da obra. Além da falta de conhecimento de elementos históricos, dos quais diversas vezes só tomo conhecimento após assistir a um filme, determinadas questões sociais também passam desapercebidas mesmo que eu já as conheça antes, pois não fazem parte do meu cotidiano e entender a questão de uma forma geral não é o mesmo que reconhecer as microexpressões de suas manifestações numa obra de arte. 

Quando relatei no blog no ano passado as dificuldades vividas pela equipe do filme durante as filmagens devido a ataques de grupos políticos e religiosos, já soube que Padmaavat exigiria um pouco mais de atenção no momento de assisti-lo. Deepika e o diretor Sanjay Leela Bhansali foram submetidos a tantas ameaças de morte e isso levou a tantos adiamentos que parecia que todos já havíamos visto o filme antes mesmo de ser lançado. É comum que tensões políticas e religiosas atrapalhem a produção de filmes indianos, sendo notório os ataques violentos do partido Shiv Sena a cinemas onde foram exibidos os filmes Fire em 1998 e My Name Is Khan em 2010, por tratarem dos temas homossexualidade e islamismo. A última obra de Bhansali teve de lidar com os ataques da organização Karni Sena, grupo Rajput cujo principal objetivo é promover a própria casta e que passou de todos os limites aceitáveis ao violentamente atacar e ameaçar a produção do filme por terem a informação de que nele haveria uma sequência em que Alauddin Khilji teria um encontro romântico em sonho com a rainha Padmavati. A lenda da rainha Padmavati é sagrada para os Rajput, que a colocam como exemplo do sacrifício feminino.



A existência da rainha é contestada, mas a lenda conta a história da rainha Padmavati (Deepika Padukone), segunda esposa do rei de Chittor Ratan Singh (Shahid Kapoor). Sua beleza é motivo de cobiça para o irascível Alauddin Khilji (Ranveer Singh), líder da dinastia muçulmana que governou o sultanato de Délhi de 1290 a 1320. A lenda contada no poema Padmavat, escrito por Malik Muhammad Jayasi em 1540, conta que Khilji teria invadido Chitor guiado pelo desejo de ter Padmavati para si, levando à uma guerra que resultou na cerimônia do Jauhar, em que as mulheres queimam a si mesmas para não serem violadas.

Bhansali mais uma vez escolheu a estrutura de triângulos para compor sua história, sendo desta vez em quantidade maior que antes. Há a disputa entre Ratan Singh e Khilji cujo centro é Padmavati; a relação de ciúmes entre Ratan Singh, sua primeira esposa, Nagmati (Anupriya Goenka) e a bela Padmavati; e até mesmo a sugestiva relação entre Khilji, seu escravo Malik Kafur (Jim Sarbh) e a relação obsessiva do primeiro com Padmavati ou com sua esposa, competentemente interpretada por Aditi Rao Hydari. A movimentação de cada uma dessas relações está presente em cada cena e mantém um clima de tensão permanente, contraposto por uma estética impecável com lindos figurinos e bastante uso de tons amarelados, que foram combinados com cores mais vivas no reino de Chittor e mais escuras no sultanato. Esta simples oposição de cores já deixam claras as posições morais escolhidas pelo diretor desde o começo: os Rajput são dignos e nobres e os muçulmanos, sujos e imorais. E foi aí que começaram minhas questões com este filme.

Bem e mal

Falar sobre hindus e muçulmanos na Índia é tarefa delicada devido às tensões comunais que existem há anos entre os dois grupos religiosos, tensões estas que durante muito tempo foram responsáveis por representações negativas de muçulmanos na cultura popular, inúmeras vezes postos como vilões, terroristas e aficionados - não à toa a suposição de uma cena romântica imaginária entre uma rainha hindu e um sultão muçulmano levar a cenas de violência reais. É devido à sensibilidade do assunto que o simplismo escolhido por Bhansali ao representar a oposição entre o rei Rajput e o sultão muito me incomodou. Khilji é colocado como um homem sujo, extremamente rústico e com uma crueldade sem limites. Ele come como um porco, está sempre com os cabelos soltos e desgrenhados, mata e ostenta as cabeças de suas vítimas e abusa de mulheres ao seu bel prazer. O tom da atuação de Ranveer ajuda a compor esse personagem sem nuance alguma, tendo o ator e o diretor escolhido uma intensidade alta para o personagem que já se apresenta na primeira cena e permanece sem nenhuma variação ao longo das quase três horas de filme, com exceção de um momento de fragilidade física de Khilji. Seria mais interessante ver sua loucura e obsessão por Padmavati crescendo com o desenrolar da história. O trabalho sensível e um pouco mais rico em tonalidades de Shahid Kapoor me impressionou mais, e sei que esta é uma declaração que não acompanha a opinião geral de público e crítica de que Ranveer Singh dominou o filme. Shahid há muitos anos tem seu talento desperdiçado em péssimas escolhas de filmes que na maioria das vezes se transformam em fracassos de bilheteria, condição que torna seu personagem em Padmaavat ainda mais agradável para os fãs de seu trabalho. O ator alternou entre uma atuação mais doce e suave nas cenas românticas com Deepika, um estrategista altamente nobre nas discussões sobre a guerra e um homem indignado ao lidar com Khilji, conseguindo trazer um pouco mais de dinâmica ao personagem unidimensional apresentado por Bhansali dentro de um roteiro engessado que trazia quatro menções ao orgulho e superioridade Rajput a cada cinco frases.


Deepika não teve espaço durante a primeira metade do filme, tendo praticamente apenas emprestado sua beleza para longas sequências em câmera lenta do seu romance com Shahid e com uma ou outra cena mais intensa, como o momento antes do casamento em que o fere com um punhal para que não vá embora do reino onde vive. Uma participação tão pequena de sua personagem estava sendo uma surpresa após a expressividade de seus dois trabalhos anteriores com Bhansali, como Leela e Mastani. A segunda parte logo mudou o cenário e a elogiada inteligência da personagem finalmente teve uso em seus estratagemas militares e nas discussões com o marido sobre seu papel como rainha. A personagem de Anupriya Goenka a todo momento coloca a beleza de Padmavati como responsável por todos os males que atingem Chittor, mas há um belo e breve momento no qual se questiona a culpabilidade da vítima, sendo lembrado que o erro está no homem descontrolado que não sabe respeitar uma mulher. A inserção dessa questão na história pareceu uma forma de adequar o filme às discussões da última década sobre o papel da mulher, de forma a não haver excesso de críticas à completa glorificação do Jauhar que é feita nas cenas finais, que são estonteantes e certamente um dos mais belos momentos da carreira do diretor e da atriz. A prática é um horror que mostrava a imensidão da vulnerabilidade das mulheres ao longo da história e foi apresentada no filme de uma forma etérea e muito mais ligada a sentimentos de honra e dignidade do que de desespero e fragilidade. O ato de guerra é apresentado como a maior derrota da vida de Khilji, e não da rainha e das outras mulheres. Padmavati ser um ícone Rajput até hoje mostra claramente qual é o lugar que estes homens reservaram para as mulheres.


Os papéis secundários do filme não foram bem explorados. O romance homossexual entre Khilji e seu criado é apresentado até comicamente por meio de comentários pejorativos de outros personagens e de um musical hilário em que Malik Kafur se banha com Khilji e ilumina com uma tocha seu encontro romântico com uma mulher. Jim Sarbh é inicialmente apresentado como um homem tão sem escrúpulos quanto o sultão, mas após isso cai apenas nos lugares comuns reservados a homossexuais em filmes de Bollywood, sem grande espaço ou desenvolvimento. A rainha Nagmati é caracterizada de forma a não parecer ter a mesma beleza ou força que Padmavati, tendo como função ser o contraponto para que a outra rainha possa brilhar mais em cena. Do outro lado da história tivemos a linda atuação de Aditi Rao Hydari como a esposa dividida entre o que é certo e seu amor pelo monstro com quem se casou. Sempre vemos a atriz em papéis secundários e ter conseguido brilhar em um filme com tanto foco no trio principal é sinal de que merece oportunidades maiores em sua carreira.


Os musicais não são tão marcantes, apesar das belas canções. Ghoomar foi o mais próximo do que já conhecemos da grandeza tradicionalista dos musicais históricos de Bhansali e desta vez me pareceu também a coreografia mais próxima da vida real, com movimentos mais lentos - comparando com algo como Nagada Sang Dhol, por exemplo. A belíssima intepretação de Arijit Singh em Binte Dil foi enfraquecida pelo tom involuntariamente engraçado que a canção acabou tomando, como descrito anteriormente. Já a enérgica Khalibali parece uma versão assustadora de Malhari, como divertidamente apontou um comentarista no Youtube. Como não fui cativada pela atuação de Ranveer, a canção me pareceu apenas mais uma exposição das risadas maníacas e olhares vidrados que o ator utilizou durante todo o filme. Não há muito o que falar sobre a forma como o diretor ambienta seus musicais, pois Bhansali já tem seu lugar na história do cinema indiano por nos trazer alguns dos mais belos e grandiosos musicais já vistos.


Padmaavat é um filme sobre expectativas, no qual a tensão é sustentada com os personagens passando a maior parte do tempo sitiados à espera de um ataque. Associando isso a um excesso de câmeras lentas, a dinâmica do filme acaba se tornando morosa. Os péssimos efeitos especiais também agem contra a ostentação visual característica do diretor, tirando o foco do espectador em algumas cenas para o quão mal feitos estão os efeitos gráficos dos animais. Gostei muito do filme pelas atuações de Shahid, Deepika e Aditi Rao Hydari, e também devido a expectativa de ocorrência da tragédia, porém é importante sabermos reconhecer quando uma obra de arte pode ter efeitos nocivos. Este é um filme inserido em uma sociedade profundamente dividida e cujas divisões põem muitas vidas em risco. Fazer uma separação tão clara entre o bem e o mal utilizando personagens reais de religiões diferentes, sem nenhuma gradação de cinza,  é uma escolha artística nada ousada, além de ofensiva. A ode ao sacrifício feminino é incômoda, por mais bela que a cena tenha sido - e facilmente é uma das melhores sequências dramáticas dos últimos tempos, arrepiante para dizer o mínimo.



As escolhas artísticas de Sanjay Leela Bhansali refletiram suas próprias convicções e também aquelas que deixariam o caminho para o seu filme menos em risco devido à ação de grupos fanáticos. É importante que o diretor tenha espaço para criar da forma como quiser, e cabe a nós como público julgar o resultado dessa criação. Considerando que o grupo Karni Sena, com todo o seu ódio, violência e total desrespeito pela arte, declarou após o lançamento que está satisfeito com o filme por glorificar a honra e o valor Rajput e que todo Rajput sentiria orgulho após ver Padmaavat, fica claro a que tipo de interesse e visão esta bela obra de arte atende. 
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"DEEWANEANDO"?

Devanear = divagar, imaginar, fantasiar. Deewani = louca, maluca. Deewaneando = pensar aleatória e loucamente sobre cinema indiano.

Meu nome é Carol e sou a maior bollynerd que você vai conhecer! O Deewaneando existe desde 2010 e guarda todo o meu amor pelo cinema indiano, especialmente Bollywood - o cinema hindi. Dos filmes antigos aos mais recentes, aqui e no Bollywoodcast, seguirei devaneando sobre Bollywood.

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